A BOLA DOS KAMAIURÁ

por

José Ribamar Bessa Freire
03/06/2012 – Diário do Amazonas

Taqui Pra Ti 

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Diz que é assim: quem inventou a bola foram os índios Kamaiurá, muito antes de Cristo nascer. Diz que é assim: três milênios antes de o Brasil sediar a Copa do Mundo de 2014, os Kamaiurá já batiam um bolão com uma bolinha feita com leite de mangaba, que eles confeccionavam, fervendo e moldando a resina como uma esfera até endurecer. Essa pequena bola de borracha, branca, oca por dentro, era elástica e quicava quando batia no chão. Com a bola, eles inventaram o jogo e suas regras, os campeonatos e até o estádio.

Diz que é assim: muitos, mas muitos séculos antes de ser edificado o Maracanã, essa bola já rolava ali no Xingu, num “campo de bola” denominado mangawa rape. Esse – chamemos assim –  “Mangabão” ficava localizado em lugar nobre, bem no centro do pátio da aldeia e estava delimitado nas laterais por duas linhas curvas e opostas. Era lá que promoviam o mangawa apitap, um “jogo de bola” disputado entre dois times, em competição intertribal ou como treino e diversão.

No “jogo de bola” Kamaiurá, inventado antes, mas muito antes de os ingleses bolarem o jogo de futebol, cada time entra em campo com seis ou oito jogadores, que ficam em fila, afastados um dos outro em cerca de um metro, obedecendo a várias regras.

– Pode chutar a bola ou pegá-la com a mão, Arnaldo?

– Não! A regra é clara! No “futebol” Kamaiurá, a bola só pode ser tocada com os joelhos e com a cabeça, exceto no primeiro lance, quando o jogador que inicia a partida levanta a bola com a mão. O “gol” acontece quando a bola acerta outra parte do corpo do adversário. Aí – pimba na gorduchinha – os times trocam de lado.

– Tinha campeonato entre os Kamaiurá, Arnaldo?

– Sim, eram disputadíssimos. Quando o time visitante ganhava, os jogadores entravam nas casas dos vencidos e pegavam como premio todos os pertences que ali estivessem: redes, cestas, armas, adornos. Se os visitantes, porém, perdiam, deixavam tudo o que tinham e voltavam para sua aldeia de mãos vazias. (Se isto funcionasse hoje em nosso mundo, o Flamengo, coitado, estaria mendigando). Esses campeonatos aconteceram até os anos 1960, quando o mangawa apitap caiu em desuso, substituído pelo futebol que foi introduzido na aldeia.

– Como é que nós ficamos sabendo de tudo isso, Arnaldo?

– Graças a um grande pajé Kamaiurá, chamado Tarakwaj, que praticou esse jogo e o descreveu em detalhes, em setembro de 1977, na aldeia Ipawu, no Xingu. Outro índio, chamado Kanutary (Koka), que também era pajé, assistiu muitos jogos e deu sua versão, em 2006, em Campinas, quatro anos antes de morrer, para a doutora Lucy Seki, que a publicou com o título “História da Onça: origem do jogo de bola e da huka-huka”.

A boca dos ancestrais

Lucy Seki, linguista brasileira, é uma dessas raras sacerdotisas que dedica sua vida ao estudo das línguas indígenas.Entrou no Xingu, em 1967, como assistente da antropóloga Carmen Junqueira. Cursou doutorado na Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, tornando-se a maior especialista na língua Kamaiurá. Atual professora de Linguística Antropológica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), ouviu da boca dos velhos as narrativas míticas e organizou uma coletânea delas no livro belíssimo “O que habita a boca de nossos ancestrais”, ilustrado com desenhos dos próprios Kamaiurá, lançado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

O livro está escrito em  Kamaiurá, uma língua da família Tupi-Guarani, com a tradução dos textos ao português. As narrativas, quase todas, foram coletadas na aldeia próxima às margens do lago Ypawu, que significa “água grande”, situada dentro da Terra Indígena do Xingu, um lugar sagrado onde vive desde sempre Mawutsini, a entidade criadora dos Kamaiurá e dos seus heróis civilizadores.

O primeiro branco que passou por lá foi o médico e antropólogo alemão Karl von den Steinen, que desceu o rio Xingu em 1884. Depois disso, poucas expedições percorreram a região, até 1942, quando se iniciou a construção de estradas. Quando Lucy Seki chegou lá, em 1968, apenas dez índios sabiam algo de português. Os mestres na arte de narrar, os moronetajat ou “senhores das histórias”, eram todos monolíngues em Kamaiurá. Três deles contaram suas histórias para a linguista, que gravou o que eles falaram.

Um deles foi o já citado Tarakwaj que tinha 50 anos quando narrou a historia da origem do jogo de bola, em 1977.  Entendia algo de português, mas não falava a língua. “Ao narrar, usava com maestria a dramatização dos diálogos e as modulações da voz”, conta Lucy Seki. O outro narrador era Awmari – grande especialista na pesca com flecha e com jequiá. Tinha o apelido de Ariranha e fez 70 anos em 1988, quando contou suas historias gravadas na aldeia Ypawu, em 1988. O terceiro narrador é  Kanutary (Koka), cantor e instrumentista, artesão especialista na confecção de cestas e raladores de mandioca, gravou suas histórias na Aldeia do Morená, em 1999 e em Campinas, em 2004 e 2005. Auxiliou também na interpretação das narrativas.

Hoje, embora todos os 500 Kamaiurá falem a língua nativa, houve um considerável aumento de bilíngues. Lucy Seki contou com ajuda de vários deles para fazer a transcrição e a tradução: Janumakakumã, Tatap, Wari e Páltu, este último, filho de Kanutary, faz mestrado em Linguística na UnB e é excelente desenhista. A autora teve o cuidado de dar os créditos a todos eles, publicando suas fotos e uma pequena biografia.

A historia da origem do jogo de bola é uma das oito histórias que integram a obra, repleta de notas com observações etnográficas e contextualização histórica de cada narrativa. A linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional, que faz a apresentação, diz que os ricos comentários etnográficos que acompanham cada narrativa fazem do livro “um empreendimento verdadeiramente enciclopédico”. Editado pela Funai, o livro possui uma versão impressa – que pode ser encontrada no Museu do Índio, no Rio de Janeiro– e também uma versão digital, que pode ser lida na web.

As histórias antigas

O próprio Kanutary (Koka), antes de apresentar sua versão sobre o jogo de bola, comenta com muita propriedade: “As historias que estou contando agora são historias muito antigas, historias de nossas origens. Elas vem sendo passadas de geração em geração, contadas pelos avós para seus netos. Quando os avós morrem, outros contam as historias para seus filhos. Nos tempos antigos, nós narrávamos somente em nossa língua, oralmente, Hoje em dia a moçada sabe lidar com a escrita e a leitura, e nossas historias podem ser registradas no papel”.

Lucy Seki se refere à relação entre o narrador e a audiência, que tem implicações na produção textual. Nas aldeias do Ipawu e Morená, os adultos ouvintes faziam intervenções e as crianças acorriam e se acomodavam para ouvir as historias, apoiando-se nos ombros do narrador, sentando-se em seus joelhos ou no chão. Ela fala de dois grandes desafios. Um deles foi a dificuldade de colocar no papel os recursos da oralidade, tais como altura, duração, entonação e modulação da voz.

“Os recursos sonoros, as pausas, a duração, as mudanças de velocidade, o ritmo, o timbre e as modulações de voz – ora alta, ora suave, ora entrecortada, ora em falsete – tem um papel que não se limita a ilustrar ou colorir o que é dito, mas participam da tessitura da narrativa”- escreve a autora, lembrando os gritos e murmúrios que conferem dramaticidade a algumas cenas, além do movimento do corpo, das expressões faciais, da variação do olhar dos narradores.

Somam-se a essas dificuldades de transpor para o registro escrito as narrativas orais o outro desafio: a tradução entre línguas tão distantes como o Kaimaiurá e o português. Diz a autora: “No trabalho de tradução foi feito um grande esforço para manter no máximo a fidelidade ao original e expressar, ao mesmo tempo, o seu sentido em outra língua. Procurei dosar a literalidade que, se usada em excesso resulta em versões caricaturizadas das narrativas e da cultura, aumentando o preconceito em relação aos povos indígenas. Por outro lado, o excesso de liberdade na tradução resulta na criação de novos textos por parte do tradutor, diluindo assim as vozes dos falantes reais”.

Kanutary (Koka) considera que se eles tivessem recursos, poderiam mostrar em imagens, na televisão ou no cinema, as histórias antigas, com todos os recursos da oralidade. Lamenta em tom profético: “Acabaram-se os velhos narradores. Somos poucos os que restaram, como o meu primo e o Takumã. Nós, velhos, vamos morrer e os Kamaiurá não vão mais ouvir como antes e conhecer as histórias”. Ele morreu em 2010, antes que o livro fosse publicado.

Se os dirigentes da Fifa e da Adidas, responsáveis por batizar a bola da Copa do Mundo de 2010 de Jabulani, tomassem conhecimento das histórias apresentadas nesse livro, certamente dariam bola na Copa de 2014 aos Kamaiurá, cujas narrativas começam sempre com a expressão “diz que é assim” e terminam com o verbo “acabou”. Então, acabou.

OS INDIOS DO SÉCULO XXI

por
José Ribamar Bessa Freire
27/05/2012 – Diário do Amazonas

“Índio quer tecnologia” – berra O Globo, em chamada de primeira página (25/05). Lá está a foto de um guerreiro Kamayurá, que usa um iPhone para fotografar o terreno da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde será construída a aldeia Kari-Oca que vai sediar eventos paralelos da Conferência Rio + 20. Ele viajou de barco e de ônibus, durante três dias, com mais vinte índios do Alto Xingu, de quatro nações diferentes. Chegaram na última quinta-feira, para construir a aldeia Kari-Oca que vai sediar eventos paralelos da Conferência Rio + 20.

Na aldeia que eles vão construir formada por cinco ocas – uma delas será uma oca eletrônicahight tech – mais de 400 índios que vivem no Brasil, discutirão com índios dos Estados Unidos, Bolívia, Peru, Canadá, Nicarágua e representantes de outros países temas como código florestal, demarcação de terras, reservas minerais, crédito de carbono, clima, usinas hidrelétricas, saberes tradicionais, direitos culturais e linguísticos. No final, produzirão um documento que será entregue à ONU no dia 17 de junho.
Embora a notícia contenha informações jornalísticas, O Globo insiste em folclorizar a figura do índio. Em pleno século XXI, o jornal estranha que índios usem iPhone, como se isso fosse algo inusitado. Desta forma, congela as culturas indígenas e reforça o preconceito que enfiaram na cabeça da maioria dos brasileiros de que essas culturas não podem mudar e se mudam deixam de ser “autênticas”.
A imagem do índio “autêntico” reforçada pela escola e pela mídia é a do índio nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi visto por Pedro Alvares Cabral e descrito por Pero Vaz de Caminha, em 1.500. Essa imagem ficou congelada por mais de cinco séculos. Qualquer mudança nela provoca estranhamento.
Quando o índio não se enquadra nesta representação que dele se faz, surge logo reação como a esboçada pela pecuarista Katia Abreu, senadora pelo Tocantins (PSD, ex-DEM): “Não são mais índios”. Ela, que batizou seus três filhos com os nomes de Irajá, Iratã e Iana, acha que o “índio de verdade” é o “índio de papel”, da carta do Caminha, que viveu no passado, e não o “índio de carne e osso” que convive conosco, que está hoje no meio de nós.
Na realidade, trata-se de uma manobra interesseira. Destitui-se o índio de sua identidade com o objetivo de liberar as terras indígenas para o agronegócio. Já que a Constituição de 1988 garante aos índios o usufruto de suas terras – que são consideradas juridicamente propriedades da União – a forma de se apoderar delas é justamente negando-se a identidade indígena aos que hoje as ocupam. Se são ex-índios, então não têm direito à terra.
Criou-se, através dessa manobra, uma nova categoria até então desconhecida pela etnologia: a dos “ex-índios”. Uma categoria tão absurda como se os índios tivessem congelado a imagem do português do século XVI, e considerassem o escritor José Saramago ou o jogador Cristiano Ronaldo como “ex-portugueses”, porque eles não se vestem da mesma forma que Cabral, não falam e nem escrevem como Caminha.
O cotidiano de qualquer cidadão no planeta está marcado por elementos tecnológicos emprestados de outras culturas. A calça jeans ou o paletó e gravata que vestimos não foram inventados por brasileiro. A mesa e a cadeira na qual sentamos são móveis projetados na Mesopotâmia, no século VII a. C., daí passaram pelo Mediterrâneo onde sofreram modificações antes de chegarem a Portugal, que os trouxe para o Brasil.
A máquina fotográfica, a impressora, o computador, o telefone, a televisão, a energia elétrica, a água encanada, a construção de prédios com cimento e tijolo, toda a parafernália que faz parte do cotidiano de um jornal brasileiro como O Globo – nada disso tem suas raízes em solo brasileiro. No entanto, a identidade brasileira não é negada por causa disso. Assim, não se concede às culturas indígenas aquilo que se reivindica para si próprio: o direito de transitar por outras culturas e trocar com elas.
Foi o escritor mexicano Octávio Paz que escreveu com muita propriedade que “as civilizações não são fortalezas, mas encruzilhadas”. Ninguém vive isolado, fechado entre muros. Historicamente, os povos em contato se influenciam mutuamente no campo da arte, da técnica, da ciência, da língua. Tudo aquilo que alguém produz de belo e de inteligente em uma cultura merece ser usufruído em qualquer parte do planeta.
Setores da mídia ainda acham que “índio quer apito”. Daí o assombro do Globo, com o uso do iPhone pelos Kamayurá, equivalente ao dos americanos e japoneses se anunciassem como algo inusitado o uso que fazemos do computador ou da televisão: “Brasileiro quer tecnologia”.
O jornal carioca, de circulação nacional, perdeu uma oportunidade singular de entrevistar integrantes do grupo do Alto Xingu, como Araku Aweti, 52 anos, ou Paulo Alrria Kamayurá, 42 anos, sobre as técnicas de construção das ocas. Eles são verdadeiros arquitetos e poderiam demonstrar que “índio tem tecnologia”. O antropólogo Darell Posey, que trabalhou com os Kayapó, escreveu:
Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma “ponte ideológica” entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.
Esses são os índios do século XXI. A mídia olha para eles, mas parece que não os vê.
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FUNAI: “OS CONTRATOS COM INDÍGENAS NÃO TÊM VALIDADE”

. resposta da FUNAI em relação ao post anterior

. . publicado em 13 III 2012

. . . no sítio PUBLICA

Márcio Meira, presidente da Funai, fala sobre assédio de empresas internacionais para compra de crédito de carbono em terra indígena. E explica a ausência da Funai no caso do contrato assinado pelos Munduruku
Em setembro do ano passado, os líderes da população Munduruku assinaram um contrato leonino com uma empresa irlandesa, transferindo os direitos aos créditos de carbono da reserva por 120 milhões de dólares. Pelo documento, a empresa ganharia acesso restrito às suas terras e os índios ficariam impedidos de dispor de seu uso sem a autorização prévia da compradora.

O contrato entre a Organização do Povo Munduruku e a Celestial Green foi assinado sem a presença de representante da Funai (Fundação Nacional do Índio), responsável por defender os direitos dos índios e, portanto, por acompanhar negociações comerciais que possam colocá-los em risco. A Pública trouxe a história à tona no dia 9 de março deste ano.

A Funai, no entanto, tomou conhecimento da transação no início de 2011, quando encaminhou o contrato à apreciação da Advocacia Geral da União (AGU). Em seu parecer, a AGU considera o contrato ilegal. Tese que vale para todos os contratos de crédito de carbono em terra indígena no Brasil.

O parecer, ainda não conclusivo, deixa em aberto a possibilidade que outros órgãos da União encontrem meios de regularizar futuros contratos com os indígenas. O presidente da Funai, Márcio Meira, é contra as negociações atuais, como a que envolveu os Munduruku. Mas defende que o comércio de crédito carbono funcione como meio de remunerar os indígenas pela preservação das florestas depois que o mercado for regulamentado no país.

Leia a entrevista:

Como a Funai avaliou o teor do contrato assinado entre os Munduruku e a Celestial Green?

Desde que tivemos o primeiro contrato desse tipo, há um ano e meio, nossa avaliação é de preocupação e alerta em relação ao assédio dessas empresas aos indígenas. Procuramos a assessoria especializada da Funai, que é ligada à Advocacia Geral da União, para que analisasse e, se necessário, tomasse medidas judiciais. Tomamos medidas educativas e de precaução. Fizemos uma cartilha distribuída às comunidades indígenas alertando para contratos que podem ser danosos a elas.

Por que a Funai não alertou os Munduruku sobre a ilegalidade do contrato?

A Funai não estava lá, naquele momento. Ficamos sabendo depois da reunião que os Munduruku tiveram com a empresa. Na maioria dos contratos desse tipo, a gente só toma conhecimento depois.

A Funai não sabia da negociação desde o início de 2011?

A Funai sabe que há negociações em curso, alguns indígenas informam. A gente passa a orientação para terem cuidado em relação a esse assédio, dizemos para não assinar o contrato. Mesmo assim alguns contratos são assinados. Mas eles não têm validade jurídica. Nós alertamos as empresas: esses créditos que estão no mercado voluntário não têm validade.

A informação que temos dos Munduruku é que não houve contato e orientação da Funai.

Isso não é verdade,  a Funai está em contato permanente com todos os povos indígenas do Brasil. Temos 36 regionais, quase 300 coordenações técnicas locais, o próprio chefe da coordenação técnica na área é um indígena Munduruku. Ele é a própria Funai.

Mas se a Funai está tão próxima, como não sabia que  o contrato seria assinado?

A Funai sabe de reuniões, mas não há como saber em detalhes o que acontece. Principalmente a sede da Funai. Eu não tomei conhecimento dessa reunião, a não ser depois que aconteceu.

Ambientalistas e movimentos ligados às populações indígenas dizem que a Funai está sendo omissa na orientação dos indígenas assediados por essas empresas. Como o senhor responde a essa crítica?

Não concordo, a Funai tem sido ativa, não tem poupado esforços. Essa cartilha que produzimos para alertar sobre os riscos foi feita com movimentos indígenas. Mas é um assédio muito forte. Mexe com recursos altos o que mobiliza os interesses.

Qual é o teor dos outros contratos que a Funai teve conhecimento?

Eles são parecidos. Temos cerca de 30 contratos, todos muito semelhantes e preocupantes porque não têm base jurídica. A Celestial Green é a que mais fez contratos com indígenas, são mais de dez.

O que vai acontecer com os outros contratos que já foram assinados?

Os contratos com indígenas não têm validade jurídica.

Eles também avançam sobre o direito dos indígenas de uso da terra?

Podem ter alguma cláusula que fere o direito territorial. De qualquer forma, esses contratos não têm validade jurídica. Terras indígenas são propriedade da União, indígenas tem usufruto exclusivo. No caso, o comércio de créditos de carbono não está regulamentado pela legislação brasileira e não é possível ser feito em terras indígenas no momento. Por isso a Funai tem defendido que, o mais rápido possível, seja feita uma legislação regulamentando essa questão.

A Funai já intermediou algum contrato de créditos de carbono?

A Funai não intermedia contratos dessa natureza porque eles são ilegais. Tomamos conhecimento de contratos depois de assinados. O único caso foi o povo Surui que nos procurou dizendo que tinha interesse em assinar e pediu orientação da Funai. Demos a orientação que tem que dar para eles terem cuidado.

A Funai acompanhou o contrato?

A Funai tem acompanhado as manifestações dos Surui para que, se eventualmente assinarem o contrato, não caiam em armadilhas. Pode ser que já tenham assinado, mas eu não tenho essa informação .

A Advocacia Geral da União recomenda que os contratos de crédito carbono devem ser intermediados pela União.  A Funai vai passar a desempenhar esse papel?

Essa é uma missão da Funai: proteção dos direitos dos indígenas em qualquer tema. Em qualquer política pública em relação aos direitos indígenas, a Funai tem que participar. Mas esse caso depende da regulamentação.

O senhor anunciou a Bolsa Verde como um incentivo para que os indígenas não cedam ao assédio financeiro. Mas R$ 100 mensais fazem frente aos milhões de dólares oferecidos pelas empresas estrangeiras?

O serviço que os indígenas prestam à humanidade na preservação da floresta tropical tem que ser reconhecido. A Funai fez isso quando regulamentou um auxílio aos indígenas no trabalho de monitoramento territorial. Mas temos é que olhar para frente e buscar um mecanismo de crédito de carbono. É uma boa ideia, mas não pode ser utilizada para os interesses econômicos apenas de terceiros. Sendo regulamentado, esse é o principal fator que pode contribuir para beneficiar os indígenas.

Circula a informação pelos jornais de que a Funai está funcionando em ritmo lento desde que o senhor pediu demissão. É verdade?

Sobre esse assunto eu não falo, isso é fofoca. Estou trabalhando aqui todo dia, incansavelmente, desde que cheguei há cinco anos.

A TERRA É DOS ÍNDIOS. E O CARBONO, É DE QUEM?

. publicado em 9 III 2012

. . no sítio PUBLICA

Por US$ 120 milhões, empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de carbono dos índios Munduruku, no Pará; contrato investigado pelo Ministério Público valeria por 30 anos. A Funai foi deixada de fora

vídeo promocional da empresa Celestial Green Ventures – “verde celestial”, em português – traz imagens de uma reunião em uma localidade não identificada, na Amazônia. Em meio a fotos, com fundo musical, o irlandês Ciaran Kelly, CEO, explica: “Nós sentamos com a comunidade local, há uma discussão muito aberta, dizemos o que temos que fazer, quais são as suas responsabilidades e as nossas. Se concordamos, prosseguimos”.

O português João Borges de Andrade, chefe de operações no Brasil, aparece em fotos rodeado pela população local. “Eu gosto do contato com essas pessoas, elas são muito gentis e muito amigáveis. É emocionante”.

A Celestial Green atua em um novo setor que se fortalece nos recônditos da Amazônia brasileira: a venda créditos de carbono com base em desmatamento evitado, focado nas florestas. Por estes créditos, a empresa tem procurado indígenas de diversas etnias e teria assinado contratos com os Parintintin, do Amazonas, e Karipuna do Amapá, segundo as suas páginas no twitter e facebook.

No dia 22 de setembro do ano passado, o mesmo João Borges, da Celestial Green, foi a uma reunião a respeito de um contrato de crédito de carbono com os índios Munduruku, na Câmara Municipal de Jacareacanga, no Pará. Assim que ficou sabendo, a missionária Izeldeti Almeida da Silva, que trabalha há dois anos com os Munduruku, correu para lá: “Fui pega de surpresa. Depois falei com um dos líderes e ele disse que fazia tempo que estavam negociando com um grupo pequeno de lideranças”.

Quando chegou à sala de reunião, diz a freira, o espaço estava cheio. Estavam todos lá: caciques, cacicas, mulheres e crianças. Muitos vestidos para guerra: pintados, com arcos e roupas tradicionais. A reunião foi fotografada pelos dois lados. “Os guerreiros e as guerreiras estavam muito brabos com o pessoal que foram falar lá em cima”, lembra o cacique Osmarino. “As guerreiras quase bateram neles”.

Segundo Izeldeti, o representante da empresa mal conseguiu falar. “Eles gritavam em voz forte que estavam cansados de ser enganados. Disseram: ‘nós sabemos cuidar da floresta, não precisa de ajuda’. As mulheres guerreiras ficaram na fila e cada uma foi falando em Munduruku. Meteram a flecha perto do coração, passavam no pescoço. O representante da empresa disse que não entendia a língua, mas que não tava gostando porque era sinal de ameaça”. O contrato, no entanto, acabou sendo assinado naquele mesmo dia – tanto a empresa quanto os indígenas confirmam.

De acordo com Izeldeti e Osmarino, porém, o contrato foi assinado contra a vontade da maioria da população Munduruku.

Os donos do carbono

Totalmente desconhecida no Brasil, a Celestial Green, sediada em Dublin, se declara proprietária dos direitos aos créditos de carbono de 20 milhões de hectares na Amazônia brasileira – o que equivale aos territórios da Suíça e da Áustria somados. Juntos, os 17 projetos da empresa na região teriam potencial para gerar mais de 6 bilhões de toneladas de créditos de carbono, segundo a própria empresa.

Os créditos por desmatamento evitado, ou REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), não são “oficiais”, ou seja, não podem ser vendidos nos mercados regulamentados pelo protocolo de Kyoto. Este protocolo só aceita, por exemplo, a venda de créditos por uma empresa de um país pobre que troque sua tecnologia por uma menos poluente; os créditos que ela deixará de emitir podem ser vendidos.

No caso das florestas, não há um mecanismo oficial que permita isso.

Por isso, os créditos de carbono referentes a florestas são negociados em um mercado voluntário, que não é regulado; empresas como a Landrover, o HSBC, a Google e a DuPont compram esses créditos para sinalizar que estão fazendo algo de bom pelo meio ambiente. O mercado é muito menor do que aquele resultante de projetos previstos por Kyoto: em 2010, o valor negociado foi de cerca de 400 milhões de dólares contra 140 bilhões de dólares do mercado “oficial”.

Na esteira da corrida pelo invisível – créditos de carbono que deixaria de ser emitido por desmatamento – a irlandesa Celestial Green se adiantou: realizou diversas negociações rápidas e à margem de qualquer órgão federal. A empresa promete avaliar o potencial de créditos de carbono depois; mas já garante sua posse sobre eles, por contrato, e o acesso às terras para avaliação.

Os Munduruku

A proposta aos Munduruku foi feita em junho do ano passado. Segundo relatos dos indígenas, a oferta dividiu o grupo. A Celestial Green oferecia 4 milhões de dólares por ano, ao longo de 30 anos, pelos créditos de carbono dos 2,3 milhões de hectares da terra indígena – num total máximo de US$120 milhões. Em troca, teria todos os direitos sobre os créditos de carbono e mais “outros certificados e benefícios” a serem obtidos “com a biodiversidade”.

“Primeiro, ele [representante da Celestial Green] falou que o projeto é para defender os povos indígenas. Disse que não podia mais mexer na terra, nem branco nem indígena. Quando ouvi essa conversa, era bom”, conta Osmarino Manhoari Munduruku, cacique de uma das 111 aldeias onde vivem mais de 6 mil Munduruku. “Depois, ele mandou o papel para associação. Nós vimos que, onde esse projeto tá, não pode fazer roça, nem caçar, nem pescar. Hoje estamos acostumados de plantar mandioca, batata, cana, batata doce, banana. A gente pesca, caça, tira madeira quando precisa. Mas eles dizem que não podia mais, eles mesmos iam dar o dinheiro para comprar os alimentos. E os indígenas não pode mais fazer nada, nada, nada. Aí a maioria achou que não é certo”.

A Pública teve acesso ao texto do contrato enviado por lideranças indígenas ao CIMI, Conselho Indigenista Missionário, depois das primeiras gestões da empresa. O documento revela claramente as linhas gerais buscadas pela empresa no acordo.

“Este contrato concede à empresa o direito de realizar todas as análises e estudos técnicos, incluindo acesso sem restrições a toda a área, aos seus agentes e representantes”, diz o documento. Se as áreas negociadas não se adequassem à captação de carbono, o contrato seria invalidado. De qualquer maneira, a empresa teria assegurado o direito de fazer um levantamento detalhado de toda a área dos Munduruku.

O contrato vetava qualquer modificação no ambiente: “O proprietário compromete-se a não efetuar quaisquer obras na área do contrato, ou outra atividade que venha a alterar a qualidade de carbono captado ou que contribua de alguma forma para afetar negativamente a imagem da empresa ou do projeto”.

Outro ponto polêmico garantia à empresa “direitos sobre os créditos de carbono obtidos, com quaisquer metodologias utilizadas”, além de “todos os direitos de quaisquer certificados ou benefícios que se venha a obter através da biodiversidade desta área”.

Além disso, os Munduruku deixariam de receber o pagamento caso não submetessem suas atividades ao crivo da Celestial Green: “O proprietário compromete-se a manter a propriedade em conformidade com as metodologias estabelecidas pela empresa”. O valor, contido num anexo, chama a atenção: 4 milhões de dólares por ano, chegando a um valor total de 120 milhões de dólares.

Segundo especialistas consultados pela reportagem, dificilmente um contrato assim teria validade legal. Primeiro, porque parte de princípios jurídicos errados. O texto analisado se refere aos Mundurukus como “proprietários”, quando as terras indígenas pertencem à União. Depois, porque viola princípios de exclusividade de uso dada aos indígenas em terra homologada. “É totalmente ilegal. A empresa se coloca como dona dos recursos naturais e se atribui o direito de entrar quando bem entender para fiscalizar. Em algumas cláusulas, ela quer fazer o papel do Estado”, afirma João Camerini, advogado da ONG Terra de Direitos.

Para o antropólogo Miguel Aparicio, coordenador do Programa Operação Amazônia Nativa, o caso dos Munduruku deve servir de alerta para o governo. “É uma manifestação aberta da postura dos ‘biopiratas do carbono’. As cláusulas ignoram o direito indígena de usufruto exclusivo sobre suas terras, reconhecido pela Constituição Federal. O contrato proposto merece a intervenção urgente do poder público brasileiro”.

Como o mercado de crédito de carbono é novo, o governo brasileiro ainda não criou parâmetros para regular essas negociações. Mas, dada a urgência da questão, 15 entidades e movimentos ligados às populações indígenas elaboraram uma carta de Princípios e Critérios Socioambientais de REDD. Alguns desses princípios são a participação de toda a população afetada no processo de decisão e a transparência sobre os detalhes do contrato e do mercado em que estão entrando.

O caso dos Munduruku foi denunciado em setembro no ano passado no blog da ativista ambiental Telma Monteiro.  O procurador Cláudio Henrique Dias, do Ministério Público Federal de Santarém, abriu um procedimento administrativo para investigar o caso. Ele pediu a cópia do contrato à Associação Pussuru, que representa os Munduruku, e acionou a Funai.

A Funai não quis se pronunciar nessa reportagem mas prometeu uma entrevista com o presidente Márcio Meira para a semana que vem.

Corretores de carbono, xeretas, piratas?

Antônio José do Nascimento Fernandes, mestre em Química pela Universidade Federal do Amazonas e conselheiro-secretário do Instituto Amazônia Livre, pensa diferente. O Instituto mantém um projeto com a Celestial Green de “monitoramento e levantamento dos dados das florestas, das comunidades, do que pode ser desmatado daqui a 20, 30 anos”.

Para ele, que trabalha com a empresa há cerca de um ano, o contrato assinado com os Munduruku não limita o uso da terra pelos índios: “A única coisa que fala no contrato é que eles [os índios] devem preservar os recursos e que todo uso deve ser informado”. E como isso será informado? Segundo Antônio, o plano é elaborar um conselho formado “pelas instituições financeiras, pelos representantes indígenas e pela Instituição Amazônia Livre”, para deliberar sobre isso.  “Não é de cima para baixo. É um projeto de igual pra igual. É uma troca mútua, porque eles consomem, mas sabem que [os recursos] podem acabar”.

A Celestial Green não é exatamente uma empresa transparente. O site da empresa, que está em construção há alguns meses, não traz mais do que uma descrição genérica, embora declare que há três anos a empresa vem negociando com prefeituras, proprietários de terra e tribos indígenas da Amazônia.

Os objetivos declarados dos projetos da Celestial, comandada pelo irlandês Ciaran Kelly, são: “alcançar lucratividade para todos os investidores”, “proteger áreas da floresta em risco dos efeitos devastadores da extração ilegal de madeira, mineração ilegal e queimadas”, “proteger a biodiversidade presente nessas áreas e conduzir atividades importantes de coleta de dados”, além de “fornecer empregos, educação e cuidado médico básico para os habitantes das áreas dos projetos”.

Segundo o site, os projetos estão em negociação com investidores no Panamá, Ásia, Vietnã, Malásia, Coreia do Sul e China.

A parte que promete ao visitante “descubra mais sobre nossos projetos” está em construção. Não há mais detalhes.

Em 27 de junho de 2011, a empresa anunciou vagamente ter “aumentado a sua base de contratos na Amazônia brasileira”. “A Celestial Green Ventures PLC aumentou o tamanho de sua base de terras contratadas em 1.203.226 de hectares (um aumento de 6,5%) com a assinatura de 5 novos contratos garantindo à empresa a produção de qualquer tipo de carbono nestas terras pelos próximos 30 anos”. Segundo o release, a empresa se listou na bolsa Deutsche Boerse, em Frankfurt, com a missão de dobrar a área contratada para 40 milhões de hectares (duas Suíças, duas Áustrias).

Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a companhia anunciou pelo seu twitter novos contratos com as prefeituras de São Gabriel da Cachoeira, Boca do Acre e Apuí, no Amazonas, totalizando 11 milhões de hectares cujo carbono também ficará à sua disposição.

O projeto “Borba”

A empresa tem um caso que é apresentado como bem-sucedido: o chamado “projeto Borba”. O projeto, acordado com o prefeito de Borba, município de 20 mil habitantes no sul do Amazonas em 2010, não teve até hoje os créditos validados – uma empresa escocesa, a Ecometrica, está ainda desenvolvendo uma metodologia para medir e validar os créditos gerados, ou o tanto de carbono que não será jogado no ar pela proteção das áreas. “Um comunicado oficial será emitido na hora certa”, limita-se a dizer a empresa.

Segundo um release que foi apagado do site, o projeto Borba consistiu na assinatura de um contrato com a prefeitura do município, intermediado pela ONG FEAMA – Fundação Ecológica de Amazônia – ONG capitaneada pelo brasileiro Romeu Cordeiro da Silva. A FEAMA não tem site na internet, nem telefone de contato.

O acordo dava direitos a créditos de uma área de 1.333.578 hectares, cerca de 1/3 do município.

Procurados pela Pública, nem o secretário de administração da prefeitura, Ricardo José Sá de Souza, nem o secretário de Meio Ambiente sabiam do acordo.

Finalmente a Pública conseguiu conversar com o prefeito Antonio José Muniz Cavalcante, que não explicou por que seus secretários não foram informados do caso. “A Celestial Green apareceu, falou com a associação de municípios. Como temos uma reserva municipal, fizemos um contrato que dá direito de eles negociarem o carbono nesta área. Vieram no município, fizeram um projeto e coletaram bastante material. Mas não tivemos benefícios. Esse contrato já está até quebrado, porque o prazo deve estar vencido. E como não tivemos retorno, pelo menos no que propuseram a nos pagar, nada foi desembolsado”.

Apesar dos créditos de Borba não terem sido validados – e, aparentemente à revelia da prefeitura – a Industry RE, companhia britânica de investimentos anunciou em 7 de junho de 2011 a compra de 1 milhão desses créditos para serem revendidos a outras empresas. A empresa afirma, numa brochura, que vai cobrar 10 libras por cada crédito de carbono.

A Industry RE fornece créditos de carbono para o grupo Guardian Media Group, que detém o jornal britânico Guardian. Além disso, mantém o simpático site My Tree Frog, no qual cada pessoa pode comprar créditos de carbono de onde quiser, “anulando” assim as suas próprias pegadas ecológicas.

Segundo o diretor Ian Hamilton afirmou no início de março ao site econômico Point Carbon News, os créditos de Borba seriam usados para aliviar as emissões de uma subsidiária da Coca-cola no Oriente Médio e uma unidade da gigante eletrônica japonesa Canon.

Uma brochura da IndustryRE que tenta vender esses créditos de Borba afirma que a Celestial Green tem acesso a uma área de 18.192.193 de hectares por 30 anos, incluindo acordo com diversas prefeituras no estado do Amazonas. Os maiores terrenos estão no estado do Amazonas: 2.954.902 hectares em Barcelos, 1.066.862 hectares em Caruari; 1.761.189 hectares em Manicoré, e 1.440.585 hectares em Canutama – além de Borba, claro.

Segundo o documento, os projetos da Industry RE não focam apenas os créditos de carbono, mas pretendem “expandir os parâmetros” para incluir o desenvolvimento de energia e água limpa, reflorestamento, manejo sustentável de florestas e conservação.

Além disso, a Celestial Green possui 10 mil hectares em Rondônia, terra adquirida do Capital First Merchant Bank Ltda. Mas isso é outra história.

De vinis e ouro à sonhada preservação do meio ambiente

O “projeto Rondônia” é o mais antigo da Celestial Green Ventures, aliás Celestial Green Investments (CGI), uma empresa de investimentos sediada em Kent, na Inglaterra, que tem como CEO o mesmo irlandês Ciaran Kelly.

O projeto baseia-se em uma área de 10 mil hectares em Rondônia e foi detalhadamente descrito em um documento – registrado junto ao Security and Exchange Comission, comissão financeira dos Estados Unidos – de compra de ações da CGI pela empresa de investimento Apollo Capital, com sede em Miami – da qual Ciaran Kelly era um dos diretores.

Antes de investir em negócios sustentáveis, a Apollo Capital chegou a prensar vinis e copiar CDs e DVDs. No seu site registra investimentos milionários em bonds do banco central da Venezuela, da Petrobras e também em exploração de quartzo na Bahia.

Essa área em Rondônia, localizada no município de Machadinho d’Oeste, é adjacente à terra indígena dos Cinta Larga e foi comprada pela Apollo Capital da empresa brasileira Capital First Merchant Bank Ltda junto com a concessão para exploração de ouro e diamantes, fato celebrado em seu site.

Meses depois, Apollo e Celestial Green mudaram de idéia: decidiram não fazer a mineração da área e vender os créditos de carbono não emitido por não ter explorado o local.  “A Celestial Green acredita que o desenvolvimento de operações de mineração teriam um impacto ecológico catastrófico”, diz o documento de registro. Créditos de carbono do “projeto Rondônia” estão disponíveis para os usuários do site Tree Frog. Quem quiser aliviar sua pegada ecológica, é só clicar.

“Our people”

Nem mesmo a equipe que compõe a empresa consta do site da Celestial Green. Quando a Pública começou a investigar a CG, a empresa listava 29 pessoas como sua equipe, incluindo diversos brasileiros. Dois dias depois, a lista sumiu.

A Pública tentou entrar em contato com alguns desses supostos funcionários. Na tarde de quinta-feira, conversou com o professor Eder Zanetti, doutorando em manejo florestal pela UFPR, um consultor experiente em projetos de crédito de carbono. Eder foi responsável pela área de mudanças climáticas globais e serviços ambientais das florestas no Centro Nacional de Pesquisas Florestais da Embrapa.

Ao celular, perguntado sobre suas relações com a empresa irlandesa, ele se mostrou surpreso: “Não tenho conhecimento, não. Nunca vi nem falar esse nome [Celestial Green]”. Segundo ele, a sua consultoria foi procurada por “diversas empresas internacionais querendo fazer negócio com terra indígena aqui no Brasil”. A procura, nos últimos dois anos, tem aumentado. “Mas não estou fazendo consultoria para nenhum projeto no momento”.

Mais tarde, por email, Zanetti confirmou: “De fato não consegui entender a natureza do meu envolvimento com a referida empresa. Eu não saberia dizer nem se ela é séria ou não, porque não consegui navegar no site para ver quem são os proprietários. Definitivamente não sou funcionário deles”.

Outro brasileiro listado no site explicou que atua como consultor em um projeto da CG. Vivaldo Campbell de Araújo foi delegado do IBDF – atual Ibama – de 1971 a 1978. Ele conta que não sabia que seu nome estava no site, mas havia pedido reserva. Não queria ser listado como membro da empresa. “Porque você sabe, tem muita especulação”. Segundo ele, faz cerca de oito meses que ele é consultor de um projeto de manejo sustentável que pretende “mostrar as alternativas de manter o carbono, mas alterar as florestas pelas espécies mais valiosas”.

Contrato questionado

A Pública procurou repetidamente a Celestial Green. Por telefone, a funcionária Paula Cofré, brasileira nascida no Chile, explicou que o CEO Ciaran Kelly não dá entrevistas pelo telefone – apenas por email. Formada em jornalismo pela PUC do Paraná, Paula trabalha há cerca de 6 meses na empresa. Foi contratada inicialmente como secretária e hoje é “administradora sênior e assistente pessoal do CEO”. Segundo ela, o representante português João Borges não costuma dar entrevistas.

Paula confirmou a assinatura do contrato entre a Celestial Green e os Mundukuru e disse que a empresa não conta com um escritório no Brasil. “Temos pessoas trabalhando em Manaus, mas ainda não abriram (um escritório)”. A Pública enviou a minuta de contrato obtida pelo CIMI, pedindo que a empresa confirmasse se havia alguma diferença quanto ao contrato assinado. “Eu sei que eles não costumam dar detalhes sobre os contratos, tipo valor, essas coisas”, explicou Paula.

Finalmente o CEO respondeu – sem responder: “Podemos afirmar categoricamente que os contratos da CGV PLC têm sempre o cabeçalho com os detalhes da empresa, são assinados em cada página por um representante da empresa, são autenticados e também contêm um carimbo da companhia”.

Pouco depois, Antônio José do Nascimento Fernandes, do Instituto Amazônia Livre, uma ONG que trabalha com a Celestial Green em alguns projetos, ligou para a Pública e leu o anexo 1 do contrato, confirmando que se trata do mesmo texto – inclusive reafirmando os valores acordados.

Na sua entrevista em papel timbrado, Ciaran afirmou que “a Celestial Green Ventures não pode divulgar nenhum acordo financeiro que tenha sido feito com nossos parceiros”. Mas prometeu: “no final de julho de 2012, nosso primeiro ano completo de finanças será apresentado”.

A Pública vai esperar pra ver.

OS TARUMÃ VIVEM

por
José Ribamar Bessa Freire
29/10/2011

O Tarumã é um povo muito importante na história de Manaus e do Amazonas. Marcou nossa identidade regional e nossos lugares de memória. Mas nós, brasileiros, especialmente os amazonenses, acreditamos piamente que esse povo não existe mais e que seu idioma é uma língua morta. Tal crença foi reforçada até mesmo por quem digita essas mal traçadas.

Acontece que a documentação histórica até então conhecida assegurava que os Tarumã foram varridos de seu território na região do baixo Rio Negro e exterminados, num processo iniciado com a construção do Forte de São José da Barra do Rio Negro, em 1669, que deu origem à cidade de Manaus. Não sobrou um Tarumã para contar a história.

Ledo engano. Sobrou sim. Os Tarumã continuam vivinhos da silva, em pleno século XXI. Eles vivem atualmente em uma comunidade wapishana na ex-Guiana Inglesa, perto de Lethem, uma cidadezinha às margens do rio Tacutu que faz fronteira com o Brasil e fica em frente à cidade de Bonfim, em Roraima, para onde migraram fugindo da violência dos portugueses.

A língua Tarumã, considerada como extinta, na realidade continua sendo falada, conforme descobriu a lingüista Eithne Carlin, da Universidade de Leiden, na Holanda. Ela pesquisa as línguas ameríndias faladas na ex-Guiana Inglesa, no Suriname e na Guiana Francesa e localizou um grupo de falantes do Tarumã. Agora está documentando a língua deles. Embora na área de fronteira os grupos demograficamente maiores sejam os Wapishana e Waiwai, muitos topônimos na bacia do rio Rupunini são originalmente da língua Tarumã, o que pode indicar a importância deles na região.

Quem me passou essa informação sobre o trabalho de Eithne Carlin foi outro linguista holandês, Willem Adelaar, da mesma Universidade de Leiden, durante o Encontro Internacional de Arqueologia e Lingüística histórica, realizado em Brasília, no auditório do Memorial Darcy Ribeiro, na semana de 24 a 28 de outubro – uma iniciativa do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB e da PUC do Peru.

 O encontro, coordenado pelos lingüistas Aryon Rodrigues e Ana Suely Cabral, reuniu os bambambãs e especialistas, entre os quais arqueólogos, linguistas, antropólogos, historiadores, museólogos, de várias partes do mundo. Trata-se de um momento singular, que nos permite recuperar informações como essa sobre os Tarumã. Ao contrário de alguns eventos acadêmicos, onde cada um fala o que tem pra falar e ninguém discute o que foi dito, nesse evento cada palestra, conferencia ou comunicação era seguida de questionamentos, observações e indagações.

Talvez no momento em que se comemora mais um aniversário de Manaus seja oportuno relembrar alguns dados que já foram registrados aqui na coluna. Na ocasião, reconstruímos parte da história do povo Tarumã, usando pesquisas do lingüista tcheco – Cestmir Loukota, de um viajante alemão – Robert Schomburgk, de um historiador inglês – John Hemming, e de um padre português – Serafim Leite, que em 1905, ainda jovem, trabalhou como seringueiro no rio Negro.

No século XVII, os Tarumã foram misturados com outros índios pelos jesuítas que abriram caminho aos missionários carmelitas, com a criação de uma ‘aldeia de repartição’. De lá, muitos deles foram repartidos para prestar trabalho compulsório aos colonos, aos missionários e à Coroa Portuguesa em Belém. Os Tarumã que recusaram foram massacrados na “guerra justa” promovida por Pedro da Costa Favela, entre 1665 e 1669. Muitos deles, escravizados, trabalharam na construção do Forte de São José do Rio Negro, em 1669, que deu origem à cidade de Manaus.

Quando o padre jesuíta Samuel Fritz passou pelo rio Negro, por volta de 1690, encontrou o chefe Tarumã, conhecido como Karabaina, com o corpo coberto de cicatrizes, marcas das constantes violências cometidas pelos portugueses, conforme nos conta John Hemming, autor do livro “Red Gold”, o ouro vermelho, representado – no dizer do padre Vieira – pelo sangue derramado dos índios escravizados.

Começou, então, o longo êxodo dos sobreviventes. A última notícia que temos dos que permaneceram na proximidade de Manaus foi dada pelo Comandante Militar da Comarca do Alto Amazonas, Lourenço da Silva Amazonas (1803-1864), que relata como, em 1808, centenas de índios foram levados, ‘acorrentados, como se fossem condenados’, para o trabalho na fazenda do Tarumã, de propriedade do governador José Joaquim Vitório da Costa. Nessas alturas, os Tarumã jã haviam sido espoliados e expulsos de seus territórios.

Em sua fuga, subindo o rio Negro, os Tarumã foram invadindo territórios de povos que falavam línguas da família Aruak, com quem mantiveram diferentes tipos de relação, quase sempre conflitivas, mas às vezes amistosas. Na sua longa marcha, eles foram parar no extremo norte, na Guiana, em pleno território Karib, onde se fixaram e fizeram alianças com povos dessa família lingüística, o que favoreceu a realização sistemática de casamentos interétnicos.

Por volta de 1837, o alemão Robert Schomburgk a serviço dos ingleses, encontra ao longo dos rios Essequibo e Cuyuwini cerca de 150 índios Tarumã que haviam chegado à Guiana Inglesa, depois de haverem percorrido mais de 2.000 km pelo rio e pela floresta. Foi lá que o antropólogo William C. Farabee, da Universidade de Harvard, os encontrou, em 1916, misturados com os Wai-Wai, de filiação Karib. Depois disso, acreditávamos que estavam extintos, o que agora sabemos não ser verdade, graças ao trabalho da linguista E. Carlin. Ainda bem.

A ANTA QUE VIROU ELEFANTE NUM DOMINGO ESPETACULAR

por

José Ribamar Bessa Freire
21/11/2010 – Diário do Amazonas

 

A segunda-feira da índia Rosi Waikhon na periferia de Manaus foi um dia de cão. Escapou, por pouco, de ser apedrejada. Ao sair de casa, várias pessoas lhe atiraram na cara frases do tipo: “Ei, índia, você não é gente, índio mata o próprio filho, vocês deviam morrer”. Minha amiga há muito tempo, ela me confidenciou: “Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas”.

Quem humilhou Rosi estava indignado, porque no dia anterior havia presenciado o ‘assassinato’ de crianças indígenas, cometido pelos próprios pais, que praticam o ‘infanticídio’, tudo isso exibido no programa Domingo Espetacular da TV Record. Felizmente, como nos filmes americanos, chega a cavalaria para salvar vidas ameaçadas por índios bárbaros. A missionária evangélica Márcia Suzuki, cavalgando a emissora do Edir Macedo – tololoc, tololoc – leva os bebês arrancados das garras dos ‘criminosos’ para a chácara da igreja neopentecostal. Enfim, salvos.
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As pessoas viram trechos do vídeo ‘Hakani’ com o sepultamento de uma criança viva. A voz cavernosa de um narrador em off anuncia que se trata de prática generalizada: “A cada ano, centenas de crianças são enterradas vivas na Amazônia”. O xerife Henrique Afonso, deputado federal do Acre, quer prender os ‘bandidos’. Faz projeto de lei que criminaliza o ‘infanticídio indígena’, invoca a Declaração Universal dos Direitos Humanos e apela ao papa Bento XVI para que “intervenha contra o crime nefando”.
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Como tem gente boa no mundo, meu Deus! Mas sobrou para Rosi que viveu uma ‘segunda-feira espetacular’. Quase foi linchada. Não foi a única. Rosi é índia Waikhon – etnia conhecida também como Piratapuia. Mora na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM) e está de passagem por Manaus. É educadora e líder da Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Escritora, participou de dois Encontros de Escritores Indígenas na UERJ. Ela faz um apelo:
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– “Gostaria de pedir aos senhores que não continuem usando o termo INFANTICIDIO INDIGENA. Por favor, não aumentem o preconceito e o racismo contra nosso povo”.

Xamãs e bruxos

Afinal, os índios cometem infanticídio? Essa é mesmo uma prática generalizada na Amazônia? Francisco Orellana, o primeiro europeu que cruzou o rio Amazonas dos Andes ao Atlântico, em 1540, viu coisas muito estranhas. A crônica da viagem – repleta de ‘domingos espetaculares’ – conta que ele se deparou com elefantes em plena selva, comeu carne de peru, bebeu cerveja feita pelos índios e combateu as precursoras do infanticídio – mulheres guerreiras que matavam seus filhos homens. A Europa acreditou piamente em suas histórias.
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Orellana, coitado, sentiu o mesmo problema do xerife Henrique e da cavaleira Suzuki: como descrever aquilo para o qual não tenho palavras? Orellana viu antas bebendo água no rio. Não existia esse animal na Europa, nem muito menos a palavra anta nos dicionários. Como dar conta dessa realidade desconhecida, nova e estranha? O bicho era grande? Era. Tinha tromba? Tinha. Então, ele sapecou: “vi elefantes”. Afinal, elefantes são grandes e tem tromba. O mesmo com as mulheres que combateu. Na Europa, mulheres não iam pra guerra. Então, Orellana recuperou o mito grego, que a Europa conhecia muito bem.
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Esse processo de equivalência entre objetos conhecidos e objetos novos foi muito usado nos registros coloniais. Ele consiste em definir fatos representativos de uma cultura com símbolos de outra cultura. Mutum passa a ser peru, caxiri se transforma em cerveja, inambu vira perdiz e mulheres que trocam o fogão pelo arco-e-flecha são amazonas. Essa operação reduz e simplifica enormemente a diversidade e a riqueza cultural, porque o símbolo não consegue transmitir toda a sua carga de significado de uma cultura a outra.
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Foi assim também com os pajés e xamãs, que não existiam na Europa e foram denominados de ‘feiticeiros’ pelos colonizadores, com conotações altamente negativas que o equivalente não tem. As consequências foram trágicas, porque se ninguém mata uma anta pra extrair marfim dela, feiticeiros e bruxos eram, no entanto, condenados à fogueira.
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O infanticídio é crime punido por lei. Denominar de infanticídio uma prática cultural que desconhecemos e que nos choca não ajuda a entendê-la, oculta a anta e não revela o elefante, além de ser um convite para criminalizar os povos indígenas e condená-los à fogueira. Quando os antropólogos ou agentes de pastoral do CIMI chamaram a atenção para tal leviandade e para o erro em generalizar para todos os povos, a ONG Atini os acusou de defenderem o ‘infanticídio’ porque querem impedir a mudança cultural.
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Os antropologos

Todos os antropólogos – TODOS – sabem que a cultura é dinâmica, isso faz parte do bê-á-bá da antropologia. Nenhum antropólogo – NENHUM – se manifesta contrário a mudanças, até porque isso seria inútil. Ao contrário, o que os antropólogos estão dizendo, para horror do agronegócio interessado nas terras indígenas, é que índio não deixa de ser índio porque usa computador e celular. Mas a emissora do Edir Macedo grita espetacularmente contra os antropólogos, sem citar nomes:
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“Há quem diga que a prática de matar crianças deficientes, gêmeas ou filhas de mães solteiras deve ser defendida para manter a cultura”.

Não cita o nome de um só antropólogo, nem o livro ou artigo de onde foi pescada tal ‘informação’, porque ela é falsa. Na realidade, o que se pretende é quebrar a parceria com os principais aliados dos índios na luta pela saúde, educação e demarcação da terra. A ABA – Associação Brasileira de Antropologia, através da Comissão de Assuntos Indígenas, já havia publicado nota esclarecedora assinada por João Pacheco.
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“O vídeo Hakani – diz a nota – não é um registro documental proveniente de uma aldeia indígena, mas o resultado de uma absurda encenação realizada por uma entidade fundamentalista norte-americana. Utilizado como base para uma campanha contra o infanticídio supostamente praticado pelos indígenas, tem também a finalidade de angariar recursos para as iniciativas (certamente mais ‘pilantrópicas’ do que filantrópicas) daqueles missionários”.

Diz ainda que a prática daquilo que estão chamando inapropriadamente de infanticídio entre os indígenas “são virtualmente inexistentes no Brasil atual”. Ali onde eram localizadamente praticadas estão deixando de existir com a assistência médica e a demarcação de terras, por decisão dos próprios índios, conforme esclarece Rosi:
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“Sou indígena, meu povo também tinha essa prática, mas não precisou de ONG nenhuma intervir para mudarmos. Os gêmeos, trigêmeos e os deficientes indígenas da região em que vivo estão sobrevivendo sem intervenção de Ong. Por favor, não peçam dinheiro em nome do infanticídio indígena”.

A nota da ABA reforça: “Por que substituir a mãe, o pai, os avós, as autoridades locais por uma regulação externa e arbitrária? As crianças indígenas não são órfãs. Bem ao contrário, estão melhor protegidas e cuidadas no âmbito de suas coletividades e por suas famílias. Uma intervenção indiscriminada, baseada em dados superficiais e análises simplórias, equivocadas e preconceituosas, não poderá contribuir para políticas públicas adequadas a estas populações”.

O abandono e morte de crianças indígenas com sofrimento, dor e tensão foi a resposta dada por algumas comunidades a um infortúnio ou desgraça que as acometia e que está sendo discutido e solucionado pelos próprios índios diante da nova situação em que vivem. Doía tanto quanto para Abrahão matar seu filho.
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Então, ficamos combinados assim: uma anta é uma anta, um elefante é um elefante, a resposta dada por algumas comunidades tem tromba e é grande, mas não é elefante, e o Edir Macedo é….bom todo mundo sabe o que é Edir Macedo.
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TROCA DE CARTAS ENTRE ROSI WAIKHON E MÁRCIA SUZUKI
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Houve uma troca de cartas, via e-mail, entre a índia Rosi Waikhon e a missionária Márcia Suzuki, da Ong Atini. Rosi revisou o texto para publicação e me autorizou a fazer circular alguns trechos, aqui publicados por se tratar de um documento útil a quem se interessa pelo tema.
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1ª. CARTA DE ROSE (13/11/2010) – Na primeira delas, Rosi critica:
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“Encontrei na internet comentários, com mensagem racista e preconceituosa postada por um cidadão que leu a matéria de vocês intitulada ‘Infanticídio Indígena’. Ele chamou a nós indígenas de desumanos, e isso graças à forma como vocês estão tratando o assunto. Gostaria de pedir aos senhores que não continuem usando o termo ‘infanticídio indígena’. Por favor, não aumentem o preconceito e o racismo contra nosso povo”.
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“Na sociedade de vocês, estou cansada de ver: babás filmadas por câmeras ocultas espancando bebês em suas casas; torturas nas creches; recém-nascido jogado no lixo; crianças revirando lixo nas ruas, crianças estupradas, crianças com síndrome de Dow mortas pelos pais, outras jogadas do alto dos prédios, queimadas, espancadas, mortas, assassinadas. Isso no meu olhar indígena é infanticídio, mas nós, índios, não fazemos isso. Por favor, não peçam dinheiro em nome do infanticídio indígena”.
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“A questão por mim colocada é para que vocês OLHEM o infanticídio em volta de vocês no lugar de só procurarem entre os índios. O estado brasileiro QUANDO encontra a mãe que faz isso, bota a mulher na cadeia, não quer saber se essa mãe tinha casa, se estava passando fome, se sofria alguns distúrbios, se pelo menos essa mãe conseguiu fazer o pré-natal no posto de saúde. Sou contra o racismo e a xenofobia contra o nosso Povo Indígena, ainda mais provocado sem pensar, por isso recomendo que tratem do INFANTICÍDIO e não apenas dos povos indígenas”.
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RESPOSTA DE MÁRCIA (13/11/2010)– A dirigente da Ong Atini responde insistindo no uso da palavra infanticídio. Argumenta que a definição do termo vem do latim – infanticidium – que significa a morte de criança, especialmente recém-nascida. Reconhece que ele é amplamente cometido na sociedade brasileira, mas que existem outras ONGs para cuidar disso: “Conheça-nos melhor, sra. Rosi, assista nossos vídeos. Veja Rosi, são os próprios indígenas que falam. Depois de assistir a esses vídeos e ler nosso material entre em contato dizendo o que achou, por favor”.
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2ª. CARTA DE ROSI (14/11/2010) –  Rosi assistiu o documentário ‘Quebrando o silêncio’ feito pela ONG Atini e dirigido por Sandra Terena, onde se afirma que “crianças indesejadas são condenadas à morte por nascerem com deficiência física ou mental, por serem gêmeas, filhas de mãe solteira ou ainda por serem vistas como portadoras de azar para a comunidade”. O documentário traz depoimentos de vários índios do Brasil central sobre o que a ONG classifica como infanticídio: “a tradição manda que as crianças sejam enterradas vivas, sufocadas com folhas, envenenadas ou abandonadas para morrer na floresta”.
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Rosi leu o texto “A estranha teoria do homicídio sem morte”, de Marta Suzuki e deu, então, uma longa resposta, afirmando que sua interlocutora não compreendeu a profundidade do assunto, desconhece os estudos dos antropólogos, a quem ataca, e assume “as piores interpretações possíveis sobre os povos indígenas, sobretudo as questões das mulheres indígenas”.
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Os principais trechos vão aqui selecionados:
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“Sou indígena. Entendo perfeitamente o que meus parentes indígenas do centro do país estão dizendo. Respeito o modo de pensar deles. Meu povo também tinha essa prática, mas não precisou de ONG nenhuma intervir, achando que somos incapazes de resolver nossos problemas”.
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“Quero dizer-lhe que os gêmeos, trigêmeos e os deficientes indígenas da região do Rio Negro, onde moro, estão todos vivos, sobrevivendo sem intervenção de ONGs. Apesar da ineficácia do sistema de saúde indígena, tivemos sim apoio da equipe de saúde nas reflexões e tomadas de decisões com relação ao assunto”.
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“Mas a ineficácia crônica dos poderes públicos com relação à assistência aos povos indígenas é grande. Isso sim tem que ser documentado, mostrando a verdadeira face de como os povos indígenas são tratados no Brasil. Os profissionais que atuam em áreas indígenas têm que ser melhor qualificados, as escolas e as universidades devem ter aulas de história indígena para explicar a diversidade e a peculiaridade de nossos povos”.
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“A falta de aprofundamento de estudos por parte da ONG deixa muito a desejar. Uma vez veiculada na mídia, a ideia do indígena ruim e mau já foi repassada, não tem como reverter. Vocês deveriam ter refletido que no nosso país tem muitos analfabetos de conhecimento indígena. Deveriam ter pensado que ao tratar dos povos indígenas, as interligações são diversas. Deveriam pensar uma melhor maneira de tratar o assunto, porque ele é mais profundo do que vocês imaginam”.
“Os internautas que são analfabetos em assunto indígena não vão querer saber o contexto de cada caso, e jamais irão compreender, pois esse assunto não se estuda em academias e muito menos nas escolas. Generalizar para eles é mais simples e fácil, provocando conceitos racistas e xenofóbicos, assim como está ocorrendo”.
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“A questão não é julgar e condenar ninguém, mas esclarecer que o desejo de AJUDAR os povos indígenas não se resume em classificar cultura ruim e cultura boa, costume ruim e costume bom. Vai além disso, muito além. Quando os não-índios chegaram, também a intenção deles era AJUDAR, ‘civilizando-nos’ para os costumes deles, alegando que nossa cultura era atrasada, isso no olhar deles. Inconscientemente, vocês estão seguindo o mesmo caminho”.
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“Quando procurados para resolver o assunto, deveriam ter encaminhado aos órgãos competentes brasileiros e não tomar para vocês a responsabilidade que é do Estado. Aí sim, vocês estariam ajudando o país a revisar as políticas públicas relativas aos índios e a combater a omissão do Estado”.
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“Isso evitaria que os analfabetos em questões indígenas tivessem a interpretação que estão tendo, após o início da campanha de vocês. Na atualidade, o infanticídio está ligado à saúde pública e não somente à cultura desses povos. Mas o sistema de Saúde Indígena é ineficiente, com a maioria dos profissionais despreparados para atuar em áreas indígenas e lidar com tais assuntos. Os poucos profissionais competentes não são valorizados”.
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“Essas questões e outras relativas à saúde pública não são aprofundadas por vocês. É fácil falar superficialmente, o difícil é falar da raiz do problema e buscar solução. O despreparo da maioria dos órgãos públicos para lidar com certos assuntos indígenas sempre foi e é um grande problema. Alguns avanços foram feitos, mas falta ainda muito a caminhar. É preciso cobrar do Estado suas responsabilidades”.
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“Muitos séculos atrás, alguns naturalistas ocuparam infinitas páginas em seus diários, falando do infanticídio entre os povos indígenas. Mas pouco escreviam sobre as relações sociais familiares e a importância da criança indígena. Naquela época, éramos autônomos e felizes. Não existia Estado brasileiro, nem dinheiro, TV ou internet”.
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“Por que será que registravam o infanticídio entre os povos indígenas e nada escreviam sobre o infanticídio cometido pelos povos ao qual pertenciam? É fácil enxergar e julgar os outros, o difícil é olhar ao seu redor, entender cada contexto e sua realidade”.
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“Faz algum tempo, os jornais noticiaram que uma mulher seria apedrejada até a morte, no Irã, por ter cometido adultério. Então vários países foram contra, pois era uma VIDA que estava em jogo. Passado pouco tempo, os jornais noticiaram que nos Estados Unidos um homem condenado à pena de morte foi executado, uma injeção retirou a VIDA dele. Um ser humano tira a VIDA de outro ser humano, isso com o consentimento de todos. Não vi nenhuma manifestação contra a execução”.
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“A questão não é se o ser humano que foi condenado é bom ou ruim, mas a discussão é sobre a VIDA. De acordo com slogan de vocês: SALVE UMA VIDA. No exemplo citado, uma vida foi tirada aos olhos do mundo inteiro. Analisemos o caso. O homem estava há anos confinado em celas do presídio. Não tinha liberdade! Isso é vida? Ele estava sozinho na cela, igual a um passarinho engaiolado. Sem sua família. Ele é um ser humano, foi gerado pelo pai e mãe, nasceu de uma mulher. Isso é vida? Talvez ele tinha uma esposa e até um filho. Mas não podia compartilhar com seus familiares. Isso é vida?”
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“Para mim, que sou uma mulher indígena Waikhon, a Vida vai além do corpo físico, além dos órgãos vitais, além do espiritual, além do mundo que nos rodeia. Tudo tem vida: o ar que eu respiro, o sol que me aquece, o alimento que eu como, o rio, a mata… Mas isso é difícil para os não índios entenderem, porque vejo que estão matando a vida, por exemplo, os rios em suas cidades, vocês despejam lixo nele, tentam recuperar, mas os esgotos são canalizados para os rios e igarapés”.
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“Os rios e igarapés estão chorando, estão desidratados, estão quase morrendo. Eles não são seres humanos, mas têm vida. Nós, índios e não-índios, precisamos deles, porque sem água o ser humano não vive. Ele morre. Estão vendo como uma coisa está interligada à outra?”
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“Com relação ao exemplo citado do homem condenado à morte, não tiraram só uma vida dele, tiraram várias, a vida final foi a dos órgãos vitais e a do corpo físico. Estão vendo como é complicado?”
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“Muito tempo atrás, os ‘civilizados’ também começaram a tirar nossas vidas. Invadiram nossas aldeias. Queimaram nossas casas. Tomaram nossas terras. Estupraram nossas mulheres. Mataram nossas crianças. Travaram brigas de índio contra índio. Escravizaram nosso povo, nos chamando de atrasados, que impediam o progresso do Brasil. Hoje, muitos são executados por causa da posse da terra. Os não-índios ricos e poderosos colocam índio contra índio, nos dividem para poder tomar posse de nossas terras”.
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“Quando se trata de questão indígena, não se pode cuidar só do pé ou da mão. Nossos membros estão interligados. É preciso aprofundar o estudo sobre nossas culturas para não causar, mesmo inconscientemente, o racismo e a xenofobia na sociedade que ainda não consegue compreender os povos indígenas e as diferentes formas de sobreviver num mundo tão complicado”.
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“Quero dizer aos senhores que antigamente o povo a qual pertenço praticava o que vocês chamam de infanticídio e não era infanticídio, nem indígena, pois na época não tinham nos apelidado ainda de índio. Como seria intitulado nos dias atuais, se os exploradores de nossas terras, muitas delas tomadas pelos latifundiários, que nos chamam de preguiçosos, não tivessem nos apelidado? Seria infanticídio waikhon, kamaiurá, kayabi?”
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“Atualmente nós não temos mais essa prática, pois os gêmeos, trigêmeos e deficientes continuam vivos, são acolhidos muito bem, também existem não-índios solidários que ajudam cuidando dessas crianças, mas elas NÃO SÃO RETIRADAS DE SUA FAMÍLIA NEM DE SUAS ALDEIAS. Na Terra Indigena onde habito somos mais de 20 povos indígenas, entre eles tem também os Yanomami. Recentemente, nasceram trigêmeos Yanomami, a equipe de saúde ficou temerosa, porque lá ainda existe essa prática”.
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“Diante disso, houve um DIÁLOGO entre a equipe de saúde, as lideranças indígenas, a família e o povo Yanomami. Sabe o que aconteceu? Depois de logos dias de diálogo, os pais ficaram com dois, os avós maternos ficaram com o terceiro. As crianças não foram retiradas do seu seio familiar, de seu povo, de suas terras, como vocês fazem. Tudo é questão do diálogo, respeito, entendimento, pois os povos indígenas, apesar das diferenças, têm inteligência e capacidade de chegar a um acordo”.
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“Já que a Ong Atini está tratando do público indígena, respeito o modo de pensar de vocês. Mas quero lhe dizer que uma vez um indígena afastado de seu povo, de seu habitat, de suas terras, essas famílias e crianças não deixarão de ser índios (as), mas nunca mais serão os mesmos. Pois terão que seguir as violentas regras da civilização e do capitalismo para sobreviverem, como mão de obra barata da sociedade integracionista”.
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“O que me entristece é o termo “infanticídio indígena”, era melhor vocês estudarem outro termo, porque esse atual afeta todos nós. Na atualidade, estamos tratando do assunto de forma diferente da de vocês e não ficamos pedindo dinheiro para montar uma aldeia na cidade. A Ong de vocês tem um habitat que se assemelha a uma aldeia conforme o entendimento de cada povo indígena? Porque pelo que vi lá tem pessoas de povos diferentes, tem Kamaiurá, Kayabi, Sateré-Mawé… Ou é tudo feito ao molde de vocês?”
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“Cada povo indígena tem sua estrutura social, econômica, política, cultural, seu idioma, sua religião, sua alimentação…Isso aqueles que não sofreram a desestruturação do Estado brasileiro integracionista e a lavagem cerebral dos missionários que cuidam apenas da alma dos índios. Cada povo indígena sofreu a integração e a intromissão do não-índio de forma diferenciada e na atualidade tentaram de alguma forma se reorganizar e sobreviver. Vocês levam isso em conta? De que maneira?”
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“Senhores, sou uma índia em busca de resposta e tentando sobreviver no mundo não-indígena. Penso que o diálogo é importante. Após a matéria de sua Ong veiculada na rede Record, sofri momentos terríveis. Sabe como os civilizados falaram na minha cara? “Ei, índia, você não é gente, índio mata o próprio filho, vocês deviam morrer”. Foi mais de uma pessoa, foi por isso que resolvi escrever.Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas”.
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“Se vocês estivessem no meu lugar o que fariam? Registrar na delegacia? Mas como se num centro urbano desorganizado são tantas pessoas e não há polícias à disposição para tomar providências! Como pegar o nome dessas pessoas? Complicado pra quem não tem habilidade de cidade grande”.
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“Fiquei muito triste por tudo. Não culpo essas pessoas, porque elas simplesmente são influenciadas pela ignorância, mal devem ter uma TV em casa, muitas vezes não têm nem o que comer, muito menos irão se aprofundar sobre o assunto. São filhas do sistema opressor da ganância, do egoísmo e do individualismo. Se aconteceu comigo, pode ter acontecido com outros”.
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“Desculpem se estou ofendendo vocês, mas a cada dia que eu for ofendida por conta desse assunto, escreverei cartas, pois a escrita é a única ferramenta do não-índio que possuo. Só estou escrevendo, porque fui atingida como indígena. Não falo em nome dos povos indígenas do Brasil, porque compreendo as peculiaridades diversas e respeito a maneira de pensar dos outros parentes. Já temos problemas demais para ter que enfrentar no mundo atual. Todo cuidado é pouco para não travar brigas de índios contra índios. É isso que a Ong não consegue compreender”.
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A sogra do Jacamim em busca da beleza

do Blog da Amazônia

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE

domingo, 12 de setembro de 2010

O Jacamim andava ciscando no terreiro e, com seu bico irrequieto, beliscava um inseto aqui, uma minhoca ali, uma sementinha acolá. Sua sogra, que assistia a cena, viu que tudo nele era desproporcional e deselegante. Pescoço pelado, curvo e compriiiiido. Cabecinha minúscula em cujo cocuruto emergia ridículo topete de penas eriçadas. Curtas, demasiado curtas eram suas asas. Altas, excessivamente altas suas pernas. Ela olhou aquele bicho desengonçado e, com a sinceridade que as sogras soem ter, disse:

– Meu genro, não me leve a mal não, mas você é feio! Muito, mas muiiiiiiito feio! Feio pra chuchu! Parece até que minha filha casou com um urubu!

Ele, o jacamim-una de penas pretas, decidiu conferir no espelho do lago. A imagem refletida era, efetivamente, a de um urubu corcunda, pernalta, sem garras e com cabeça de piroca. Não gostou. De tristeza, cantou. Mas de sua garganta saía apenas um som estridente – vuh, vuh, vuh – que vibrava como o toque irritante e uniforme de uma corneta. A sogra que tudo observava, arrematou:

– Tudo em você está errado. Nem cantar você sabe. Seu canto parece latido de cachorro ou berro barulhento de uma vuvuzela. Ah, mas isso não vai ficar assim não. Vamos mudar. Espere aqui, meu genro, vou lá no mato procurar a beleza pra você.

Foi.

A beleza das cores

– Beleeeeza, cadê você? – perguntou a sogra, entrando na floresta com um saco. Foi colocando dentro dele tudo de belo que encontrava: as tintas do beija-flor e suas penas com as sete cores iridescentes do arco-íris; o peito, o abdome e o papo-vermelho da pipira; o bico duro e cônico do azulão e sua mandíbula angulosa. Depois, pegou o olhar aceso do rouxinol e a meiguice do pintassilgo. Guardou a sociabilidade, a alegria e o espírito de camaradagem do bem-te-vi, a mansidão do canário-da-horta, a valentia do gavião e até o aparelho digestivo do murucututu lá em cima do telhado.

Mas a velha queria mais. Continuou enchendo o saco. Capturou o voo elegante e baixo de uma andorinha que, sozinha, não fazia verão, mas riscava o ar em curvas caprichosas. Esperou o tico-tico-rei arrufar suas penas brilhantes – tico-tico lá, tico-tico cá – para roubar-lhe o topete vermelho escarlate que parecia incendiar sua cabeça como uma chama. Na terra com palmeiras onde canta o sabiá, ela se apoderou da cauda empinada e das patas cor de avelã da ave que gorjeava e saltitava com desembaraço,

O saco, já quase cheio, recebeu ainda plumas de seda do sanhaço, penas aveludadas do guará recolhidas em um manguezal e vozes de todos os pássaros que o japiim imitava, coletadas num ninho construído ao lado de uma casa de caba. Finalmente, a velha pegou a garganta do uirapuru, com o repertório de seu canto mágico. E quando já ia embora, ensacou os hábitos de higiene do vira-bosta, que toma sempre seu banho matinal – faça frio, faça calor – depois de revolver o esterco à procura de milho.

– Beleeeeeeza, cadê você – perguntou outra vez a velha. Lá de dentro do saco mil vozes de pássaros trinaram. Satisfeita, ela retornou e entregou ao genro toda a beleza ornitológica da mata:

– Aqui está, meu genro, pra você se lavar, se pintar, se enfeitar, se colorir e afinar sua voz.

– Vou me lavar já – ele disse, agradecido.

Foi.

Mas enquanto tomava banho no igarapé, os outros pássaros furtaram-lhe as tintas, as cores, as plumas, os enfeites, o canto e até mesmo sua própria roupagem. A sogra, vendo o genro nuzinho, perguntou:

– Ô Coisa Feia, onde está a beleza que te dei?

– Eles roubaram.

– Além de feio, és leso e abestado – disse a sogra, esfregando sumo de jenipapo na costa dele, que ficou negra. Depois, passou uma mistura de casca de abacaxi com urucu no peito, que ficou roxo. É por isso que o jacamim-una ficou assim.

Os saberes

Essa história que circula entre os índios do rio Negro (AM) é uma versão livre que eu recriei inspirado na narrativa ‘O jacamin e as cores’ (Yacamy i pinima çaua irumo), recolhida no Rio Branco pelo cientista João Barbosa Rodrigues, um ex-professor do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, que viveu mais de dez anos no Amazonas (1872-1874 e 1883-1890). Ele organizou e dirigiu o Museu Botânico de Manaus, andou pelos rios da região, conviveu com diferentes etnias e aprendeu o Nheengatu – a língua geral que lhe permitiu ouvir as histórias e registrar a ciência indígena.

Contei essa e outras histórias na quarta-feira, 8 de setembro, no Auditório Solimões do campus da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, numa mesa-redonda compartilhada com o historiador Antônio Loureiro, que se autodefiniu com simpatia e humor como um ING – indivíduo não governamental. A mesa fazia parte da programação do I Simpósio João Barbosa Rodrigues, coordenado por Antonio Webber e promovido por Frederico Arruda, Pro-Reitor de Extensão e Interiorização da UFAM.

A homenagem da UFAM a Barbosa Rodrigues é mais do que merecida. Ele é o autor do livro Poranduba Amazonense, uma edição bilíngue da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro de 1890, que reúne mitos, contos zoológicos, contos astronômicos e contos botânicos, além de “cantigas com que as mães embalavam seus filhos ou animavam as danças e os trabalhos”, num total de 130 textos.

A grande sacação de Barbosa Rodrigues foi perceber, no século XIX, que numa sociedade sem biblioteca, sem livros, sem escrita, mas com forte tradição oral, as histórias e cantos funcionam como enciclopédias onde estão contidos os saberes necessários para a sobrevivência e a reprodução das culturas. São aulas de botânica, zoologia, astronomia, ciências sociais e ciências humanas, com seus supremos mistérios.

A história aqui apresentada, em suas diferentes versões, constitui um mini-tratado de ornitologia, que dialoga com o Catálogo das Aves da Amazônia, organizado posteriormente pela ornitóloga alemã Emília Snethlage (1868-1929), ex-diretora do Museu Goeldi, no Pará. Essas histórias contêm o sistema de classificação das diferentes espécies de aves, pássaros e outros animais, suas características físicas e comportamentais, hábitos, costumes, lugares onde vivem, como se alimentam e se reproduzem.

Parte desse conhecimento, que foi satanizado e discriminado por não se enquadrar dentro dos cânones da ciência e da religião dominantes, se perderia com a morte dos velhos narradores se alguns tupinólogos não os tivessem registrado. Barbosa Rodrigues, que publicou inúmeras obras de botânica, uma delas sobre palmeiras, outra sobre orquídeas, ficou encantado com a capacidade de observação e o espírito científico dos índios.

Segundo ele, os índios “seguiam e seguem um método sintético na classificação das plantas. Designam as espécies por nomes tirados dos caracteres das folhas, flores, frutos ou de propriedades como o cheiro, o sabor, a dureza, a duração, a cor, o emprego, etc.etc. Nenhuma característica essencial lhes escapa. São tão exatas as suas observações, que se encontram gêneros e subgêneros em uma só família, como se fossem agrupados por um verdadeiro botanista”.

O I Simpósio Barbosa Rodrigues fez parte de uma programação maior do 61º Congresso Nacional de Botânica, organizado pela Sociedade Brasileira de Botânica e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com o apoio da UFAM e de outras instituições. O Congresso reuniu em Manaus, de 6 a 10 de setembro, mais de dois mil pesquisadores do Brasil e do exterior. A mídia, lamentavelmente, não deu a devida importância a um evento que discutiu, entre outros temas, a Amazônia. De qualquer forma, lá compareceu a sogra do Jacamim, que saiu em busca das cores da beleza e acabou encontrando essa outra forma do belo que é o conhecimento.

P. S.: Alguns leitores estão reclamando porque as eleições de outubro no Amazonas não estão sendo comentadas aqui nesse espaço. Sinceramente, entre Omar Aziz e o Cabo Pereira, eu fico com a sogra do Jacamim.

O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti

Festival chileno recebe filmes com temas indígenas até 6 de setembro

CHILE : 20.08.10

Tatiana Félix : Jornalista da Adital

O Centro Cultural Coletivo Cine Fórum de Valparaíso, no Chile, convida cineastas a inscreverem seus filmes com temáticas indígenas e povos originários até o dia 6 de setembro. O material será apresentado durante o II Festival de Cinema dos Povos Indígenas e Povos Originários do Mundo, que será realizado de 11 à 15 de Outubro deste ano, em Valparaíso, no Chile.

Podem participar curtas, médias e longas metragens, documentário, ficção, animação e etc. Os filmes concorrem ao prêmio “Moises Huentelaf”, em homenagem ao militante do Movimento Campesino Revolucionário, assassinado em 1971. As obras serão classificadas por temas, entre eles: questão de território, memória histórica, saúde e medicina, identidade, festas religiosas e outros.

O tema principal do festival será a Amazônia Peruana, região de interesse de multinacionais e de países que querem privatizar e depredar os recursos naturais. O festival destaca para o fato de que o mundo indígena defende com sua própria vida, o seu habitat natural. O Cine Fórum ressaltou que a ideia é também mostrar a repressão que as comunidades Mapuches vêm sofrendo por parte do governo chileno.

A Nicarágua está sendo convidada a apresentar uma retrospectiva cinematográfica que revele o mapeamento étnico do país. Para isso, é esperado a participação de um representante indígena que exponha sua visão.

A coordenação do festival ressalta o direito indígena à autonomia ou autogoverno, o controle de suas terras e recursos naturais, a preservação da cultura e tradições, entre outras questões, como prevê a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2007, pela Assembleia das Nações Unidas.

“Convidamos o mundo cultural, social e político a exigir que esta Declaração Universal seja obrigatória para a Constituição da República neste bicentenário”, pontuam.

Mais informações, acesse: www.cineforum.cl

fonte : adital

Esperança de que os terena não voltem a conversar com o espelho

Do  Blog da Amazônia

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE

Maria de Lourdes e Celinho Belizário

Escrevo da aldeia Cachoeirinha, em Miranda (MS), onde acabo de presenciar uma operação arriscada. Vi como desmontaram o gatilho de uma arma infernal que já causou mortes e emudeceu vozes, criando um silêncio de cemitério. O gatilho assassino foi desarmado por dois Terena – a professora Maria de Lourdes Elias Sobrinho, ex-empregada doméstica, filha de um índio plantador de milho, arroz, feijão e banana – e seu colega, o professor Celinho Belizário, ex-cortador de cana.

Nessa sexta-feira, 13 de agosto, cada um deles defendeu sua dissertação de mestrado na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) de Campo Grande (MS), que abriu seu Programa de Pós-Graduação em Educação para formar pesquisadores indígenas, com apoio da Fundação Ford.

No entanto, a defesa aconteceu – o que é inédito no Brasil – não no campus universitário, mas dentro da própria aldeia. Fomos nós, os professores da banca de avaliação, que nos deslocamos até lá, num movimento que não se limitou a uma simples troca de espaço, mas implicou mudança de perspectiva: a universidade desceu de suas tamancas e com isso ampliou seu universo de conhecimentos.

Maria de Lourdes fez a apresentação oral, toda ela em língua terena, para compartilhar sua pesquisa com os índios ali presentes. Na medida em que falava, o data-show ia projetando o texto da tradução ao português, permitindo que a banca e o público não-indígena acompanhassem sua fala. O trabalho escrito também é, em grande medida, bilíngue em terena e português. Essa foi, talvez, a primeira vez no Brasil que um índio não precisou renunciar à sua língua para ter um diploma reconhecendo aquilo que sabe.

O boi baba

A pesquisa de Maria de Lourdes procura identificar, justamente, os mecanismos engatilhados contra a língua terena, buscando um escudo para protegê-la. Através desse caso particular, é possível entender o extermínio, em cinco séculos, de mais de mil línguas indígenas, que deixaram de ser faladas no Brasil. Cerca de 180 delas continuam ainda resistindo, como a língua terena. De que forma foi possível silenciar tantas vozes que enriqueciam o patrimônio cultural da humanidade, sepultando com elas cantos, narrativas, poesia, músicas e saberes?

As tentativas de sufocar a língua terena – um crime de glotocídio – foram testemunhadas pela própria Maria de Lourdes, em sua infância. “Da primeira até a quarta série do Ensino Fundamental, cursei na Aldeia Cachoeirinha de 1968 a 1972, minha professora era purutuye (branca). Quando cheguei à sala de aula, meu primeiro impacto foi com a questão da língua, isto é, eu, falante da língua terena e a professora da língua portuguesa. Quando ela começou a explicar a matéria, parecia que eu estava em outro mundo, pois não entendia nada do que ela estava falando”.

Lourdes se lembra de sua primeira cartilha – O caminho suave – onde lia que “o boi baba”, em voz alta, mas não entendia bulhufas. “Em 1976, na cidade de Miranda, fui para uma escola pública cursar a 5ª série à noite. Numa das aulas, a professora pediu para eu ler um texto de história. Li. Depois ela me pediu para explicar aos colegas o que tinha lido. Sem dizer nada, comecei a chorar, pois não sabia o que o texto dizia, eu não falava a língua portuguesa”.

Lourdes chegou a estudar num convento de freiras, em 1975. Lá, “era tudo estranho, a começar pela língua. Não entendia o que as freiras falavam comigo. Lembro quando uma freira me pediu água. Fiquei parada na cozinha sem saber o que ela tinha pedido. Eu não perguntava o que ela queria, pois não sabia nem como perguntar. A minha comunicação com elas era bom dia, boa tarde e boa noite. Essas foram as primeiras palavras que me ensinaram”.

Quando saiu do convento, Lourdes foi trabalhar como empregada doméstica. “Trabalhava de dia, e à noite estudava o segundo grau numa escola pública, mas tinha vergonha de falar a língua terena no meio dos brancos, isto porque não queria que eles percebessem que eu era índia, pois quando percebiam me isolavam do grupo”. Com a língua, ela silenciou também brincadeiras infantis, danças, benzimentos, cantos, pajelança e até a culinária terena, especialmente o lapâpe – uma massa de mandioca aberta como uma pizza e preparada na frigideira quente.

Lourdes foi atingida no próprio corpo pelos disparos de uma arma letal, que assassina almas e emudece vozes. Dessa forma, descobriu o mecanismo de extermínio, que começa com a discriminação da língua indígena considerada pelo senso comum preconceituoso como “inferior” ou “pobre”. Depois vem a proibição de falar essa língua, o que significa enxotar da escola os conhecimentos tradicionais que ela veicula. Em seguida, a obrigação de aprender a ler em português, uma língua desconhecida. Por último, o falante se automutila, na medida em que é obrigado a esconder sua identidade.

Rito de passagem

Quando Lourdes se formou no Curso Normal Superior Indígena e foi lecionar na primeira série do ensino fundamental, na Aldeia Cachoeirinha, constatou que apesar das garantias constitucionais e do direito dos índios de serem alfabetizados em suas línguas maternas, a escola continuava fazendo com as crianças aquilo que havia feito com ela. As crianças não aprendiam a ler em terena, apresentando alto índice de repetência e evasão escolar.

Foi aí que Lourdes decidiu romper esse círculo vicioso, organizando a resistência ao desmontar os mecanismos que acabariam com sua língua materna. Como coordenadora pedagógica da escola, ela elaborou e implantou em 2007 o projeto de alfabetização e produziu a cartilha “Ler e Escrever na Língua Terena”. O português passou a ser ensinado como segunda língua.

A pesquisa de Lourdes no mestrado teve como objetivo analisar essa experiência. Ela realizou testes de leitura e compreensão de texto com crianças terena alfabetizadas na língua indígena e com outros alfabetizados em português. Os resultados foram surpreendentes: no primeiro caso, as crianças que liam e escreviam em Terena, se expressavam com mais fluência inclusive em português e interpretavam textos com mais facilidade nas duas línguas.

As duas pesquisas – a de Lourdes e a de seu colega Celinho, que analisou o projeto político pedagógico da escola – se apropriaram das teorias e dos conceitos dos autores nacionais e estrangeiros indicados por seus respectivos orientadores: a doutora Adir Casaro e o doutor Antônio Brand da UCDB. No início não foi fácil: “O Homi Bhabha não queria conversar comigo” – disse Lourdes, com humor, referindo-se ao teórico indo-britânico, que analisou o confronto de sistemas culturais e cuja noção de entre-lugar como local da cultura acabou se tornando familiar a ela.

Alguns autores brasileiros como Aryon Rodrigues, Ruth Monserrat e Roberto Cardoso de Oliveira, serviram aos dois pesquisadores que, além disso, realizaram observações na aldeia e na escola. Entrevistaram velhos, professores, alunos, pais de alunos, registraram as falas nas reuniões de trabalho, consultaram os textos de autores indígenas de outras línguas como Higino Tuyuka, Chiquinha Pareci e Darlene Taukane, cruzaram as fontes orais com as fontes escritas. Enfim, produziram uma pesquisa de qualidade, como assinalou a doutora Marta Azevedo, da Unicamp, membro da banca.

“Os Terena estão buscando novas formas de sobreviver em meio a essa cruzada de flechas e às novas e gigantescas colunas de fogo que se alastram em direção a nós, vindas do entorno regional” – escreveu Celinho, que definiu sua pesquisa como “a semente de um sonho”, porque “outros pesquisadores indígenas continuarão essa reflexão”.

Na ocasião, duas cerimônias foram realizadas pela comunidade terena para celebrar o nascimento dos novos mestres. Lourdes entrou no recinto, acompanhada dos membros da banca, passando no meio de duas fileiras formadas por meninas que dançaram o Xiputrena, animadas por um tocador de pife (oxoti étakati) e um tocador de tambor (ixúkoti pepêke). Já Celinho foi recebido com o Kohitoxi Kipâhi ou dança do bate-pau, numa fileira meninos com os corpos pintados de vermelho e na outra, de azul. Tinha algo de belo e de sagrado na reverência daquelas crianças aos novos suportes do saber.

Há alguns anos, o último falante de uma língua indígena foi considerado doido, porque conversava em língua xetá com sua imagem projetada no espelho, como uma forma dramática de manter sua identidade e sua memória. As pesquisas dos dois novos mestres fazem parte de uma estratégia, uma esperança para que nenhum terena jamais precise conversar com o espelho. Que Orekajuvakai nos ouça!

O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti


Em 7 anos, apenas três terras Guarani foram homologadas

Adital

11.02.10 : BRASIL

 

Do total de 74 Terras Indígenas (TIs) homologadas pelo Governo Federal do início de 2003 até outubro de 2009, apenas três contemplam o povo Guarani, uma das maiores populações indígenas do país. Levantamento da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) revela que 80% dos territórios Guarani localizados nas regiões Sul e Sudeste do país não foram regularizados ou se encontram regularizados com pendências.

 

E mais: 50 das 120 terras com presença Guarani não estão sequer reconhecidas nas estimativas oficiais e, portanto, não são sequer divulgados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Os dados fazem parte do livro “Terra Guarani no Sul e no Sudeste”, lançado pela CPI-SP no final do ano passado.

 

O povo indígena Guarani representa 10,2% do total de índios em território nacional e abrange mais de 55 mil índios, distribuídos principalmente nas regiões Sul (RS, SC, PR), Sudeste (SP, RJ, ES) e Centro-Oeste (MS). Existem Guarani em outros quatro países: Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. 

 

Fonte: Repórter Brasil, por Bianca Pyl

 

Fonte:

ADITAL

Puelmapu

. extraído do wiki-lingue

 

Puelmapu , (mapudungúnpuelmapu‘terra do este’ ) ? é a parte do Wallmapu ou territóriomapuche que está ao este da Cordillera dos Andes. Na concepção tradicional mapuche, o mundo terrenal ou Nagmapu (mapudungúnnagmapu‘terra de abaixo’ ) ? está-se composto por quatro partes (Meli Witran Mapu, os “quatro cantos da terra”), das que uma é o Puelmapu.

Conteúdo

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Descrição

Ao conjunto de relações espaciais e particularidades territoriais do mundo mapuche no plano do Nag Mapu, denomina-se-lhe Meli Witran Mapu. A maneira de entender a terra pengel (mapudungúnpengei‘visível’ ) ?que habita o mapuche organizada a partir dos meli zuam (Mapudungún: Meli: quatro e zuam :lados da terra), lados que definem particulares modos de vida a partir da maneira em que o Mapuche se relaciona na cada um deles com a natureza e o médio que os rodeia. Ao este do Nagmapu esta a Cordillera dos Andes , lugar (mapudungúnche mogekeygün‘onde habitam’ ) ? Pehuenche e onde o antü (mapudungún: antu‘sol’ ) ? sai nas manhãs . Ali a água é pire (mapudungúnpire‘neve’ ) ? e transforma-se em rios, seus habitantes possuem uma relação estreita com as piñaderías das cimeiras. Ali na Mawizantumeu (mapudungún:Mawizantumeu‘cordillera’ ) ?, o mapuche habita apesar de ser espaço não domesticado.

…“No território compreendido entre os rios NeuquénLimayCordillera de Ande-losLago Nahuel Huapi; não tem ficado um sozinho índio, todos têm sido arrojados ao ocidente (…) Ao sul do rio Limay, fica do selvagem os restos do cacique Sayhueque fugindo, pobre, miserável e sem prestígio(…)

General argentino Villegas[1] 5 de maio de 1883

O Puel Mapu é hoje parte da Argentina, habitado pelos puelches (em sentido posicional, não histórico), se estende entre os rios Quarto eDiamante, pelo norte, até os rios LimayNegro pelo Sur, sendo seu limite Este o rio Salgado de Buenos Aires (ou para 1750 a linha dos fortines e povos de San Nicolás dos Ribeiros, San Antonio de Areco, Luján e Merlo) e o Cá Füta Lafken (oceano Atlántico) e o oeste a Cordillera dos Andes.

Veja-se também

Referências e notas de pé

Bibliografía

  • Bengoa, José. 2000. História do Povo Mapuche Século XIX e XX. Editorial Lom, Santiago.
  • Canals Frau, Salvador. 1935. “A Araucanización da Pampa”. Em: Anales da Sociedade Científica Argentina CXX. Buenos Aires.
  • Casamiquela, Rodolfo. 1969. Um Novo Panorama Etnológico do Area Pampeana e Patagónica Adjacente. Provas Etnohistóricas da Filiación Tehuelche Setentrional dos Querandíes. Museu Nacional de História Natural, Direcção de Bibliotecas, Arquivos e Museus. Santiago.
  • Casanova, Holdenis. 1996. “A Aliança Hispano Pewenche e suas Repercussões no Macroespacio Fronteiriço Sur Andino (1750-1800)”. Em; Araucanía e Pampas. Um Mundo Fronteiriço em América do Sul. Edições Universidade da Fronteira, Temuco.
  • Latcham, Ricardo. 1929 – 1930. Os Índios da Cordillera e a Pampa no S. XVI. Em Revista Chilena de História e Geografia LXII (66): 250 – 263; LXIII (67): 136 – 172; LXIV (68): 194 – 227; LXV (69): 225 – 263. Santiago.
  • León Solís, Leonardo Temuco. 1991. Maloqueros e Conchavadores em Araucanía e as Pampas, 1700- 1800. Edições Universidade da Fronteira, Série Quinto Centenário.
  • Mariño De Lobera, Pedro. 1865 [Crónica do Reyno de Chile. Colecção de Historiadores de Chile, Tomo VI. Santiago.
  • Lara, Horacio. “Crónica Da Araucanía”, tomo II, Imprenta de “O Progresso”, Santiago, Chile, 1889
  • Latcham, Ricardo. A organização Social e as Crenças Religiosas dos Antigos Araucanos. Publicações do Museu de Etnología e Antropologia de Chile, Santiago, 1922.
  • Leon, Leonardo. “O Parlamento de Tapihue”, Nütram Nº32, Edições Rehue Ltda., Santiago, Chile, 1993
  • Leon, Leonardo. “O pacto colonial hispano-araucano e o Parlamento de 1692”, Nütram Nº30, 1992/4, Santiago, Chile
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  • Mariño de Lobera, Pedro. “Crónica do reino de Chile”. Colecção de Historiadores de Chile, Santiago, Imprenta do Caminho-de-ferro, 1865.
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  • Pinto, Jorge (Editor). Do discurso Colonial ao Proindigenismo. Ensaios de História Latinoamericana, Edições Universidade da Fronteira, Temuco, 1996.
  • Ramirez, Fr. Francisco Xavier, “Coronicon Sacro- Imperial de Chile”, Fontes para o estudo da colónia, transcrição de Jaime Valenzuela M., Direcção de Bibliotecas Arquivos e Museus, Centro de Investigações Diego Barros Arana, Santiago, 1994.
  • Bibar, Gerónimo De (1966 [1558]): Crónica e Relação Copiosa e Verdadeira dos Reynos de Chile. Fundo Historiadores José Toribio Medina. Santiago, Chile.
  • Blancpain, Jacques Perre (1985). “Os Alemães em Chile” (1816-1945). Editorial Hachette. Santiago 1985
  • Borda Jean, Mario Góngora (1956): Evolução da Propriedade Rural no Vale do Puangue. Tomo I.

Enlaces externos

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Comunicadores indígenas de Argentina presentan pagina Web

pueblos originarios

encuentro organizaciones indigenas

De norte a sur, de este a oeste comunicadores indígenas se reunirán en la ciudad autónoma de Bs. As para la firma de convenios y la presentación de una pagina Web.

Tras la inclusión de la propiedad indígena de los medios de comunicación audiovisuales comienza a desarrollarse la comunicación con identidad en los territorios. La presentación de la página podrá ser seguida a través de Internet.

Puelmapu_ Los días 10, 11 y 12 del corriente mes en la ciudad autónoma de Bs. as, el equipo de comunicación del encuentro de organizaciones de pueblos originarios junto a autoridades originarias de 23 pueblos preexistentes al estado argentino presentaran una pagina Web, firmaran convenios, abordaran el desarrollo en los territorios de la comunicación con identidad y harán importantes anuncios.

Juan Chico integrante del Pueblo Qom definió a la comunicación con identidad como “una herramienta que viene a dar visibilidad al reconocimiento constitucional de la preexistencia étnica y cultural de los Pueblos Indígenas para que transforme la relación con el Estado y sus instituciones sociales, políticas, económicas y jurídicas a fin de confrontar y transformar estas relaciones de poder que han naturalizado las asimetrías sociales, superando la actual situación de dominación, dependencia y discriminación”.

La comunicación con identidad fue incluida en la ley de servicios de comunicación audiovisual 26.522 luego de que el equipo de comunicadores conformado por 35 comunicadoras y comunicadores de las organizaciones territoriales debatieran , consensuaran y elaboraran la propuesta que luego seria incluida tras meses de incidencia publica y política para garantizar el derecho a la comunicación de los pueblos originarios.

Tras la aprobación de la ley en el senado Argentino en Octubre del 2009 los pueblos originarios lograron representación propia en la toma de decisiones en los referido a comunicación en territorios indígenas, la inclusión de una cuarta categoría de propiedad garantiza a más de 34 Pueblos Indígenas que conservan 14 idiomas ser reconocidos como sujetos de derecho público hecho sin precedentes hasta aquí en el continente.

Juan chico además agrego que la presentación de la página y los anuncios podrán ser seguidos el viernes 12 de Febrero a las 15hs por el canal por Internet que ese día se pondrá en marcha. http://www.livestream.com/pueblosoriginarios.

El comunicador del Pueblo Qom finalizo diciendo que durante los días de reunión la agenda incluye una serie de reuniones con organismos de comunicación y que tendrán como objetivo materializar la puesta en marcha de radios en el corto plazo en las regiones del NOA; NEA; Patagonia Norte y Provincia de Bs. As.

Como así también el debate sobre la participación en la sociedad de la información y el conocimiento, que constituyen uno de los principales instrumentos mediante los cuales se ejerce el derecho a la identidad y a mantener y desarrollar los propios modelos culturales, el derecho a la autoorganización y el derecho a la participación en todos los asuntos que nos afecten como pueblos preexistentes a los estados.

fonte : mapuexpress – informativo mapuche

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‘Estamos fartos de índios latinos’: Uma realidade oculta da imigração latinoamericana

 

Adital : La Verdad

11.02.10 : ESPANHA

Tradução: ADITAL

 

O título desse escrito corresponde à declaração de um funcionário de imigração no aeroporto de Barajas, em Madri, ao revelar a verdadeira razão que está por trás do tratamento vexatório e racista que impõe, sistematicamente, aos viajantes “índios latinos” procedentes da América, a quem os agentes de imigração negam a entrada legal a Espanha, mesmo quando estão portando seu passaporte com o visto e outra documentação atualizada.

 

A agência de imprensa internacional Telesul publicou um informe intitulado originalmente “Em España no existen los derechos humanos para los latinos”, escrito por Solvy Hernández, venezuelana que havia viajado a Madri para resolver assuntos relacionados com seu trabalho e estudos. Solvy Hernández se apresentou aos agentes de imigração com seu passaporte devidamente visado e com toda a documentação que o motivo de sua viagem requeria; porém, mesmo cumprindo com todos os requisitos, os agentes a separaram do restante dos passageiros para submetê-la e um intenso e intimidador interrogatório, no qual foi acusada de ter chegado a Espanha para ficar e viver ilegalmente. Depois do duro interrogatório, Solvy Hernández foi levada a um local onde estavam outros “índios latinos” que seriam deportados aos seus países de origem. A autora explica em seu escrito que no lugar havia somente um banheiro para todos sem paredes e sem portas e não havia papel higiênico; informou também que para dormir somente havia camas em más condições e sem colchão; que o lugar estava tão sujo que se sentia um mal cheiro insuportável devido á falta de limpeza. A autora relata também sobre o caso do “índio latino” que foi agredido violentamente por agentes do governo e sofreu uma sangrenta surra porque exigiu que lhe explicassem o porquê do humilhante tratamento que ele considerava ser injustificado.

 

O que aconteceu a Solvy Hernández no aeroporto Barajas, de Madri, não é novidade nem tampouco um fato isolado. O que ela relata tem acontecido por longo tempo não somente em Barajas, mas também em outros lugares como resultado de uma política racista oculta que o governo pratica através de seus agentes; porém, que nega sua existência e os fatos que produz. É uma repressão dirigida unicamente contra os indígenas ou mestiços da América Latina, que já produziu, inclusive, mortes de “índios latinos” em comissariados da polícia ou da criminosa guarda civil, que foram declarados oficialmente como “suicídios”. Esses e outros crimes são a macabra manifestação de um rechaço e de um ódio racial tradicional que agora é intensamente exacerbado nos meios jornalísticos do sistema, em relação a uma suposta “integração” de todos os nativos da América ao sistema que a maioria rechaça por razões que conhecem; porém, não explicam. É um tema complexo que, para encontrar respostas, é necessário entrar em áreas que, aparentemente, não estão relacionadas; porém, que são realmente o fundo do que está por trás da onda racista em pleno século XXI contra os nativos da América, não somente na Espanha, mas também em outros países, incluindo os Estados Unidos, onde está a raiz de tão maligna e enferma ideologia.

[…]

fonte :

Carta aberta dos povos indígenas de Altamira contra a extinção da administração regional executiva da Funai em Altamira

. publicado em 10.02.2010

. . fonte : Adital

 

No dia 28/12/09 fomos surpreendidos pelo decreto 7.056 assinado pelo presidente Lula com o intuito de promover uma reestruturação na FUNAI, o referido decreto, entre várias outras medidas, extingue a Administração Executiva Regional de Altamira, à qual estão vinculadas 09 etnias (Arara, Xikrin do Bacajá, Kayapó Kararaô, Asurini do Xingu, Arawete, Parakanan, Xipaia, Curuaia e Juruna) de três troncos lingüísticos e com 18 aldeias 11 terra indígenas mais de 6.000.000 de hectares de terras indígenas.

Tal medida provocou o descontentamento de todos nós, indígenas aqui da região de Altamira, para resolver nossos problemas junto a FUNAI, com o decreto teremos que viajar até Santarém. Nos sentimos traídos pelo governo federal que nos estudos para a  construção do AHE de Belo Monte havia prometido fortalecer a FUNAI em Altamira e agora, ao contrário, a extingue. O presidente da FUNAI nunca nos consultou se nós queríamos essa mudança para Santarém, que além de ficar muito longe de nós não tem nada a ver com nossa realidade. Ele nunca quis saber a nossa opinião e nem a dos seus próprios funcionários sobre o que nós achamos de ele acabar com nossos postos indígenas e com nossa administração. Ao extinguir nossa administração e nossos postos indígenas a administração central da FUNAI em Brasília está rifando nossas vidas para os madeireiros ilegais, grileiros de terras, garimpeiros e toda sorte de bandidos que nos cercam nessa região e que se sentem agora, sem a Administração da FUNAI aqui e sem os postos indígenas, com mais liberdade para acabar de nos matar.

Por causa dessa absurda extinção da FUNAI aqui em Altamira, que coloca nossa vida em risco, nós os Arara, os Xikrin do Bacajá, os Kayapó Kararaô, os Asurini do Xingu, os Arawete, os Parakanan, os Xipaia, os Curuaia e os Juruna saímos de nossas aldeias para a cidade e ocupamos a sede da Administração da FUNAI E SEDE DA UFPA, onde estamos desde o dia 04/02/10, porque não aceitamos em hipótese nenhuma o fim de nossa Administração Regional. Não sairemos daqui até que o governo volte atrás e revogue a extinção de nossa administração e nos garanta que continuaremos com nossa administração regional aqui em Altamira e que ela será fortalecida, sendo salvaguardada a participação indígena na gestão, para dar conta de resolver as nossas demandas atuais e as que poderão vir a surgir com a possível construção da Usina de Belo Monte em Altamira.

Se é para perdermos nossas vidas à prestação nas mãos de pescadores clandestinos, grileiros de terras, madeireiros e garimpeiros ilegais ou embaixo de milhões de metros cúbicos de água, preferimos perdê-las todas de uma vez lutando para sermos respeitados e para podermos continuar vivendo em paz em nossas terras que até hoje a FUNAI ainda não terminou de demarcar, mas que são nossas, como também é nossa essa Administração.

A falta de diálogo do presidente da FUNAI conosco e mesmo com os funcionários da FUNAI e a CNPI que ele mesmo criou-nos deixa com uma série de perguntas sem respostas: Será que o presidente da FUNAI conhece Altamira e sabe as distâncias de nossas aldeias até a cidade e da cidade de Altamira até Santarém? Se com a administração aqui perto de nós ainda temos tantos problemas como ficaremos com ela a centenas de quilômetros daqui? Será que o fim da Administração Executiva de Altamira tem alguma ligação com o ato sumário da construção de Belo Monte? Ou será que o presidente da FUNAI pensa em nos jogar nos braços da ELETRONORTE como a FUNAI já fez no passado com os Waimiri-Atroari e Parakanan de Tucuruí? Com tantas perguntas na cabeça e nenhuma resposta de Brasília ficamos pensando que para nós, índios do Brasil, a ditadura nunca acabou, os generais apenas mudaram de farda e de discurso, mas sua prática continua a mesma.

POVOS INDÍGENAS XIPAIA, CURUAIA, XIKRIN DO BACAJÁ, PARAKANÃ, ARARA, ARAWETE, ASURINI DO XINGU, JURUNA e KAYAPÓ KARARAÔ.

******************

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA.

Com cópia para:
Presidência da FUNAI;
Ministério Público Federal em Altamira;
Ministério Público Estadual;
6ª Câmara do MPF;
Órgãos de Imprensa.

O MOVIMENTO DOS POVOS INDÍGENAS DA REGIÃO DE ALTAMIRA-PA que ocupam por tempo indeterminado a sede da FUNAI em Altamira-PA, desde 04/02/10, representando o conjunto dos Povos Indígenas, através de 09 etnias locais, e mais de 4.000 indígenas, vem por meio deste, TORNAR PÚBLICO A INSATISFAÇÃO COM A APROVAÇÃO DO DECRETO Nº 7.056, de 28/12/10, E A EXTINÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA DE ALTAMIRA-PA pelos motivos que passa a expor para ao final exigir:

01. O Decreto foi publicado no DOU em 29/12/09, em pleno recesso legislativo.

02.  A aprovação do Decreto não obedeceu ao comando legal estabelecido na Convenção 169 da OIT, acordo internacional ratificado pelo Brasil mediante o Decreto nº 5.051, de 19/04/2004.

03. Além de não ter havido consulta prévia aos Povos Indígenas, a Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI criada pelo próprio presidente da FUNAI PARA NOS REPRESENTAR foi completamente ignorada.

04. A aprovação do decreto de reestruturação da FUNAI não cumpriu o disposto da Convenção 169 da OIT, gerando assim um vício que o torna nulo. Sobre esse assunto o STF já se manifestou editando o enunciado da súmula 473, que assim dispõe: “A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não origina direitos; ou revogá-los por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvado, em todos os casos, a apreciação judicial”.

05. O vício do ato administrativo que o torna ilegal foi justamente a ausência de consulta prévia e informada aos Povos Indígenas do Brasil e à CNPI.

06. O parecer 021 emitido pela própria FUNAI relativo ao componente indígena do AHE Belo Monte sugere o fortalecimento da atuação da administração local, como mitigação de impactos previstos com a implantação da hidrelétrica e não a sua extinção.

07. O mosaico étnico cultural da região de Altamira é único e a maioria dos povos indígenas da região tem no máximo 40 anos de contato.

08. A Administração Executiva de Altamira possui a experiência e a confiança de todos nós e tem nos atendido durante todos esses anos com prontidão em detrimento das longínquas administrações propostas para Marabá, Belém e Santarém que não sabem nada sobre nós e nosso modo de viver e por estarem tão longe geograficamente não poderão nos atender com a prontidão que precisamos e nem teremos acesso a eles como temos a Altamira.

09. O que está por detrás da extinção da Administração Executiva de Altamira não parece ser vontade de reestruturar a FUNAI para melhorar o atendimento a nós povos indígenas da região, mas sim a necessidade limpar o terreno para a construção do AHE BELO MONTE.

10. Transferir a Administração Executiva de Altamira para o Tapajós quando temos sérios problemas relacionados a demarcações e desintrusões de terras indígenas, quando todos ao nosso redor nos odeiam por nossa posição sempre a favor da natureza e quando será construída a maior obra do PAC em nossa região e afetará diretamente todos os povos indígenas constitui uma tentativa de genocídio para com os povos indígenas de Altamira.

Diante de toda a fundamentação fática, jurídica e de respeito a nós, EXIGIMOS:

a. A anulação do Decreto 7.056, de 28/12/2009, por descumprimento à Convenção 169 da OIT;
b. A exoneração do Presidente da FUNAI, Márcio Meira e sua equipe de direção;
c. Uma nova reestruturação baseada nas especificidades de cada região garantindo-se a participação indígena local no processo;
d. O fortalecimento da Administração Executiva Regional de Altamira com a participação de indígena de nossa região em sua administração e manutenção dos funcionários atuais e um incremento no quadro de pessoal e não sua extinção.
Diante do exposto asseveramos ainda que repudiamos a oferta de cargos na FUNAI ou em outros órgãos do governo como forma de suborno ou para prejudicar as negociações com o movimento e em hipótese alguma aceitaremos o fim da Administração Executiva de Altamira nesse momento crucial de nossa história onde nos sentimos abandonados por nosso país.

Não obstante, estamos abertos a negociar desde que observadas às considerações aqui expostas.

Altamira (PA), 05 de Fevereiro de 2010.

POVOS INDÍGENAS XIPAIA, CURUAIA, XIKRIN DO BACAJÁ, PARAKANÃ, ARARA, ARAWETE, ASURINI DO XINGU, JURUNA e KAYAPÓ KARARAÔ.

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Nativos e camponeses realizam marcha para denunciar impunidade no caso Bagua

. publicado em 10.02.10

. . fonte : Adital

 

Dirigentes das rondas camponesas de Piura e Cajamarca confirmaram que estão organizando, junto às comunidades nativas, uma marcha pacífica para o próximo 22 de fevereiro em rechaço à atitude do governo de não querer identificar os responsáveis diretos do massacre de Bagua, ocorrido em 5 de junho do ano passado, em que vários indígenas foram mortos ou ficaram feridos pelas forças policiais do Estado peruano.

Acrescentaram que esta manifestação, acordada na semana passada em Bagua, será em demanda ao cumprimento da plataforma expressada no grande protesto indígena de 2009, pela defesa dos recursos naturais e o direito à consulta antes de permitir que empresas transnacionais entrem em seus territórios para extrair minerais e petróleo com o aval do Estado.

Sixto Alverca, presidente da Frente de Defesa do Meio Ambiente de Carmen da Fronteira e integrante dos grupos dessa localidade localizada na serra piurana, apontou que a manifestação do próximo dia 22 será contundente. Acrescentou que marcará o ponto de partida de uma agenda de trabalho comum entre nativos e camponeses. “Tanto na selva como nos Andes o governo tem deixado que empresas transnacionais entrem sem consultar, somos povos inconsultados e juntos devemos reclamar, mas, ademais, esta situação de abuso está permitindo abrir um diálogo entre nativos e campesinos para apresentar propostas em defesa da vida e de respeito a nosso direito à consulta prévia”, disse.

Agregou em diálogo a este jornal: “O atropelo é similar na selva, onde o governo utilizou a Polícia para reprimir uma demanda justa contra decretos legislativos que permitem a entrada de empresas petroleiras. Aqui na serra piurana torturam os campesinos e faz poucos dias que policiais mataram dois rondeiros indefesos e deixaram três feridos pelo único feito de se oporem ao projeto mineiro Río Blanco, que contamina nossas terras e a água. Devemos estar unidos,andinos e amazônicos, estamos no mesmo processo de luta”.

Por sua vez, Angelo Cruz, da comunidade de Cajas-Canchaque, disse que as rondas campesinas marcharão pelas principais ruas e se concentrarão ante os governos das capitais de províncias para manifestar seu rechaço ao relatório governamental sobre o “baguazo”.

A notícia é de Prensa Digital www.conacami.org

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Os Guarani num ano decisivo

Adital : Egon Dionísio Heck *

02.02.10 – BRASIL

 

“A doença dos Guarani é uma só – recuperar nosso território, nossa terra, através  de nossa cultura, nossa organização, nossa reza” (Cacique Rosalino, 1-02-10)

 

Sentado em frente ao barraco, Rosalino vai contando pausadamente como tem participado do processo de  preparação do encontro que estará acontecendo a partir de hoje na aldeia de Anhetete, no sudoeste do Paraná. Está prevista a chegada de 800 Guarani dos quatro países – Paraguai, Brasil, Argentina e Bolívia. Ele conta como foram construindo a proposta de uma Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa; ou seja, um encontro pilares: a terra e o modo de viver dos Guarani nestes territórios, sua cultura e religião.

 

Já no início da noite, quando as estrelas começaram a passear  no firmamento, um grupo de Yvy Katu iniciou mais uma noite de ritual, Jeroky. Animados pelo espírito dos antepassados e dos deuses protetores e na esperança depositada em mais um encontro importante para os Povos Guarani da America do Sul.

 

Um pouco da historia e objetivos

 

O Encontro foi originalmente pensado pelo Ministério da Cultura e Comissão especial de Direitos Humanos, para comemorar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e para propiciar à população do Mato Grosso do Sul uma visão mais real sobre a situação em que vivem e principalmente a fora e importância que tem sua cultura no momento atual.. Isso tendo em vista principalmente a grave situação pela qual o esse povo está estava passando a partir do inicio de 2005 com a morte de mais de 40 criancças, de desnutrição. Além disso, seria uma oportunidade para os Povos Guarani aprofundarem entre si as razões de tão grave situação e juntos traçassem as estratégias necessárias para enfrentá-los. O Encontro seria realizado em Dourados de 10 a 13 de dezembro e  no encerramento teria um grande show artístico com  artistas de renome nacional e internacional. Lamentavelmente a postura do agronegócio e do governo do Estado inviabilizaram a realização do evento conforme previsto

 

Anhetete, nas margens do rio Paraná.

 

Portanto o Encontro estava no marco da celebração dos 60 anos dos Direitos Humanos, e a negação aos direitos básicos dos Kaiowá Guarani à vida e às suas terras. A mudança forçosa de lugar alterou também parte de seus objetivos, com relação à conscientização da sociedade regional com relação à força, cultura e vida desses povos. Permaneceu, porém, o aspecto de articulação dos Povos Guarani, num contexto de encontros continentais e outras iniciativas de união das lutas desses povos por seus direitos.

 

Dentre os eixos temáticos definidos pela coordenação Guarani do encontro, em janeiro,  serão a partir da compreensão da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Destacam-se os seguintes temas: “Reconhecimento e devolução dos territórios ancestrais do povo Guarani na América do Sul; Abertura da Fronteira dos países do Mercosul para os povos Guarani; Discussão de Políticas Públicas (educação, saúde, cultura, meio ambiente, economia…) dos Países do Mercosul para o Povo Guarani…”

 

Dentre as idéias a discutir, destacadas pela coordenação estão: “O Povo Guarani é um só; fortalecimento do povo Guarani através da unificação;  recuperação das terras para o povo Guarani é imprescindível para que a sua cultura seja exercida plenamente. O encontro é uma oportunidade única  para se iniciar um processo de reconhecimento da cultura Guarani no âmbito do Mercosul Cultural e Social.” (doc. De preparação do Encontro)

 

O projeto inicial (Ava Marandu) destacava a questão dos direitos humanos e a força e beleza da cultura  e valores Guarani. Com isso se propunha a ser um momento forte de conscientização da população sul matogrossense sobre a importância e contribuições do povo Guarani para um projeto plural e igualitário para esse estado e para o Brasil. Também se colocava como objetivo o fortalecimento da identidade étnica Kaiowá Guarani.

 

Já o encontro que hoje inicia no tekoha Anhetete restringe mais seus objetivos para a articulação e fortalecimento do povo Guarani e sua presença organizada no espaço do Mercosul. Para isso se prevê a elaboração e entrega de documentos aos ministros da Cultura do Brasil e Paraguai, que confirmaram suas presenças no dia 5, e os representantes dos outros países.

 

A suprema injustiça

 

Enquanto isso os Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul continuam sendo vítima do que consideram a suprema injustiça, que é lhes negar o direito às terras tradicionais para poderem viver em paz e com dignidade. Além da liminar assinada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ministro Gilmar Mendes, na véspera do Natal, ele continuou assinando as liminares impetradas por fazendeiros, atingindo praticamente todo o território da comunidade de Arroio Korá, homologado pelo presidente Lula em dezembro do ano passado. E essa tendência de atender a todas as ações do agronegócio e políticos do Mato Grosso do Sul, se configura efetivamente como tendência a ser seguida pelo presidente da Corte suprema do país. E o que é pior, já se fala na suspensão total das identificações em curso, através dos 6 Grupos de Trabalho, por determinação do presidente do STJ.

 

É neste contexto que o encontro de Anhetete vai ter uma importância muito grande, pois trará ao mundo essa lamentável situação e exigirá providencia.

 

O cacique Rosalino com seu grupo já está na beira da estrada para embarcar. Na bagagem as tradicionais armas: mbaraká, takuara, para fazer muitas celebrações e rituais, para trazer mais força e esperança para seu povo na luta pela terra, vida e futuro.

Yvy Katu, 2 de fevereiro de 2010

Campanha Povo Guarani Grande Povo

 

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

 

fonte :

ADITAL

 

Povos do Xingu pedem ajuda para resistir aos mais fortes ataques do capital

do Adital : Andes-SN *

27.01.10 : BRASIL

 

Os povos do Xingu, que resistem à construção da Hidrelétrica de Belo Monte há mais de 20 anos, sofrem neste momento seu mais pesado ataque e precisam do auxílio de todos aqueles que compreendem o quanto é importante discutir melhor o impacto da construção de hidrelétricas na Amazônia.

 

Este foi o apelo do representante do Movimento Xingu vivo, Dion Monteiro, durante a abertura do 29º congresso do ANDES-SN. “Os povos do Xingu resistiram ao governo militar de Figueiredo, ao governo Sarney, Collor, Itamar, FHC (duas vezes), e agora, no governo Lula, sofrem o seu mais pesado ataque”, denunciou.

 

De acordo com ele, em uma audiência realizada no dia 22/7/2009, o presidente da República prometeu que Belo Monte não seria “enfiada goela abaixo dos povos do Xingu”. “Infelizmente, é exatamente isso que tem ocorrido. O governo Lula, hoje, tem tentado implementar esta obra a qualquer custo, sem debater com a sociedade, e muito menos com as populações atingidas”.

 

Dion Monteiro alega que o motivo é claro: o governo não quer que as pessoas saibam que a energia gerada irá atender apenas as grandes empresas do eixo centro-sul do Brasil, e a parte que ficará no Pará só irá beneficiar a Vale do rio Doce e a ALCOA, não sendo previsto nada para atender as comunidades locais que não possuem energia elétrica.

 

O ativista ressalta ainda que o processo de viabilização da hidrelétrica demonstra o autoritarismo com que os governos e seus representantes têm tratado a floresta e as populações amazônicas historicamente. “No Governo do Pará, governado pelo PT, a coisa é ainda mais grave, pois os mais influentes secretários de governo são todos professores e professoras da UFPA, conhecedores das históricas e trágicas consequências que os projetos capitalistas de desenvolvimento trouxeram para a região, mas, mesmo assim, movidos por interesses econômicos e eleitorais, defendem com todas as suas forças a hidrelétrica de Belo Monte”.

 

Saiba porque a Hidrelétrica de Belo Monte interessa ao capital:

 

– Os 11 mil MW de energia prometidos somente serão alcançados em 4 meses do ano;

 

– Aproximadamente 20 mil pessoas serão remanejadas compulsoriamente, já que a área do reservatório atingirá diretamente três municípios (Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo) e, indiretamente, quase uma dezena de municípios.

 

– As empresas estimam ganhar no mínimo 30 bilhões de reais, dinheiro proveniente dos impostos pagos por brasileiros e brasileiras;

 

– O EIA elaborado pelas empresas contratadas pelo próprio governo, estima que aproximadamente 100 mil pessoas migrarão para a região, mas que, no pico da obra, somente serão gerados 40 mil empregos;

 

– Que as hidrelétricas emitem gás metano, que é um gás de efeito estufa que causa um impacto no aquecimento global 25 vezes maior, por tonelada, que o gás carbônico;

 

* Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

 

fonte :

Adital

 

Expedição confirma presença de índios isolados perto de hidrelétrica em RO

de Blog da Amazônia : Altino Machado

dezembro 23, 2009

Uma expedição que percorreu a Estação Ecológica Mujica Nava, em Porto Velho (RO), constatou vestígios da presença de índios isolados  numa faixa entre 10 e 30 quilômetros do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau.

Realizada entre os dias 26 de novembro e 10 de dezembro, a expedição também encontrou dois garimpeiros que avistaram oito indígenas na margem da estrada de um garimpo. Os depoimentos deles foram gravados em áudio e vídeo.

Os garimpeiros transitavam de moto quando avistaram os índios na margem da mata. Os índios estavam a uma distância de aproximadamente 80 metros. Assustados, os garimperiso aceleraram a moto. Os indígenas, também assustados, entraram na mata.

Os garimpeiros estacionaram a moto mais à frente do local onde os índios entraram na floresta. Quando olharam para trás viram que os índios haviam retornado à beira da estrada e os observavam.

Alguns índios estavam nus e outros usavam roupas velhas e rasgadas. Outros integrantes do grupo estavam calçados com chinelos coloridos de pares diferentes. Alguns deles usavam chapéus de palha tradicionais. Um homem portava uma espécie de borduna e outro um arco e flechas.

– Os garimpeiros e os índios estavam assustados com esse encontro, tendo os indígenas fugido às pressas para a floresta – assinala o relatório,  que contou com a participação de equipes da Fundação Nacional do Índio (Funai), Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Monte Sinai e Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé.

Nas cabeceiras do igarapé Queixada, foram encontrados arbustos e folhas de babaçu quebrados manualmente, além de duas retiradas de mel nas árvores, com o formato tradicional feito por indígenas.

Também foi encontrada uma área pequena, de aproximadamente um hectare, que parecia ser um desmatamento recente, podendo ser uma roça de índios, na divisa dos estados de Rondônia e Amazonas.

Num tabocal na nascente do igarapé Tuchaua foram localizados mais arbustos quebrados e torcidos por indígenas. Numa fazenda localizada no interior do Parque Nacional Mapinguari também foram encontrados vestígios da ocupação indígena.

De acordo com o relatório, é provável que o local tradicional de ocupação desses indígenas seja a região que envolve a Estação Ecológica Serra dos Três Irmãos/Mujica Nava, Parque Nacional do Mapinguari, numa faixa que varia de 10 a 30 km da hidrelétrica de Jirau.

O relatório observa que as explosões efetuadas na construção da hidrelétrica está afugentando os índios daquela região para o garimpo da Macisa, onde foram avistados, com circulação freqüente de malária e hepatites.

O relatório recomenda que o grupo indígena seja monitorado para evitar que seja atingido por doenças ou dizimado em confrontos com brancos. Também recomenda a realização de expedições periódicas para localizar a área de ocupação e propor interdição do território indígena.

– Estamos comemorando a existência desses indícios. A gente já consegue saber oficialmente que existem pelo menos oito pessoas e podemos localizar geograficamente onde elas estão. Percebe-se que estão assustados com as explosões, que afugentam a caça. É uma realidade grave – afirma Telma Monteiro, da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé.

Isolados no Maranhão

A Funai confirmou nesta semana a existência de indígenas isolados na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Uma expedição encontrou vestígios recentes próximos a lagoa Samaúma.

Desde a década de 1980 a Funai tem conhecimento do grupo, mas há algum tempo não encontrava provas tão concretas da permanência dos indígenas na região. O grupo isolado é, provavelmente, pertencente ao povo Awa Guajá e pode chegar ao total de 60 pessoas.

Nas trilhas abertas pelos isolados, além dos rastros de pegadas, a equipe da Funai constatou o intenso processo de devastação da mata. A exploração de madeira no interior da Terra Indígena é um problema histórico. Há mais de 20 anos os madeireiros retiram, principalmente, cedro, sapucaia, copaíba e cerejeira.

fonte :

Blog da Amazônia

Katukinas ou Catuquinas

da Wikipedia

Os Catuquinas são um grupo indígena que habita o Sudoeste do estado brasileiro do Amazonas (nas Áreas Indígenas Paumari do Cuniuá, Paumari do Lago Paricá, Rio Biá e Terra Indígena Tapauá), e no limite do Amazonas com o Acre (na Área Indígena Katukina/Kaxinawá).

fonte :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Catuquinas

Categorias:definição, Katukinas Tags:

Katukinas relatam presença de isolados no rio Biá

do jornal Estado de São Paulo

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Katukinas relatam presença de isolados no rio Biá

De acordo com relatos, o contato visual e verbal foi feito a sudeste dos limites da Terra Indígena

CARAUARI (AM) – Após colher relatos consistentes de índios katukinas da Terra Indígena Rio Biá, no sudoeste do Amazonas, a expedição da Frente Etnoambiental Vale do Javari, realizada pela Funai em parceria com o Centro de Trabalho Indigenista, decidiu realizar uma nova entrada na selva a partir desta terça-feira (19). Os katukinas afirmam que tiveram contato com um grupo isolado desconhecido, descreveram sua fisionomia e o local onde caçam.

O objetivo da expedição, comandada pelo indigenista Rieli Franciscato, é catalogar os vestígios deixados na mata pelo suposto grupo isolado para embasar uma possível demarcação de terras. De acordo com os relatos dos katukinas, o contato visual e verbal com os isolados foi feito a sudeste dos limites da Terra Indígena Rio Biá.

A área do contato, entre os rios Jutaí e Juruá, é transitada por não-índios. Está localizada a 150 quilômetros da cidade de Carauari e próxima a pelo menos uma pista de pouso clandestina, possivelmente utilizada por traficantes de drogas.

Para delimitar o percurso que será expedicionado, a Frente Etnoambiental percorreu três aldeias katukinas – Boca do Biá, Janela e Bacuri – em um período de três dias para colher depoimentos. A informação inicial, um boato que percorria comunidades ribeirinhas, era de que um isolado teria raptado uma mulher da aldeia Janela, chamada Luana.

A história tinha contornos fantasiosos, já que katukinas afirmavam que o suposto rapto teria durado apenas um dia. O marido, cujo nome seria Mariano, teria ido buscar a mulher sozinho e desarmado, o que parecia inverossímil.

No entanto, o rapto foi confirmado por todos os índios com quem a equipe da Frente Etnoambiental conversou. A mulher raptada e o marido não foram localizados, mas novas histórias sobre os isolados começaram a surgir, bem delineadas e detalhadas.

Segundo o katukina Carnaval, que mora na aldeia Bacuri, a cerca de 40 quilômetros da cidade de Carauari, os isolados caçam em um igarapé próximo. Carnaval afirmou ter encontrado quebradas e varadouros, vestígios mais comuns de presença indígena, até fazer contato direto com o grupo desconhecido.

Nus, de baixa estatura, com cabelos longos e pintados com urucum, os isolados não teriam sido agressivos e tentaram fazer contato verbal. Eles possivelmente falam katukina. “Deu para entender tudinho”, afirmou Carnaval.

INCURSÃO

A incursão da Frente Etnoambiental será feita por voadeiras e deve ter duração de pelo menos 10 dias. O katukina Carnaval irá acompanhar todo o percurso para auxiliar na localização dos vestígios.

A expedição subirá um igarapé afluente do rio Biá até onde for possível para então montar o acampamento base e entrar na mata. O trajeto tem cerca de 50 quilômetros.

Os vestígios, segundo o índio, estão próximos da aldeia Bacuri. No entanto, as malocas e tapiris, ou acampamentos rudimentares dos isolados, estão igarapé acima.

Se houver mesmo a presença de isolados, a expedição pretende conhecer sua área de perambulação e catalogar vestígios para, em seguida, estudar a melhor maneira de protegê-los da ação do não-índio e até mesmo do contato com outros índios.

A maior preocupação é com a disseminação de doenças. Uma simples gripe poderia dizimá-los.

NÚMEROS

O trajeto em voadeiras terá 5 quilômetros

A caminhada prevista é de 50 quilômetros

fonte :

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,katukinas-relatam-presenca-de-isolados-no-rio-bia,497651,0.htm

imagens da expedição neste link abaixo :

http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/na-trilha-dos-isolados-parte-i/